segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Breve perspectiva Reformada sobre o Batismo com o Espírito Santo

Introdução

A discussão sobre o Batismo do Espírito Santo é bastante recorrente entre pentecostais e reformados. Desde o início do falar em línguas, na Missão da Rua Azusa, no início do século passado, este tem sido um assunto frequente e bastante acalorado. Enquanto reformados entendem que todos salvos em Cristo são batizados com o Espírito Santo no ato de sua regeneração, pentecostais vão em outra direção e defendem o Batismo com Espírito como algo, via de regra, posterior a conversão, marcado por uma série de manifestações espetaculares, tais como a glossolalia.

A despeito dos argumentos daqueles que advogam baseados nas experiências de indivíduos e grupos, temos por certo que as Escrituras são “O Juiz Supremo, pelo qual todas as controvérsias religiosas têm de ser determinadas [...]” (CFW I.IX), portanto é para ela que recorreremos com o fim de discutir esta questão sobre o Batismo com Espírito Santo.

Perspectiva Pentecostal

Definir objetivamente o que é o Batismo do Espírito Santo para os pentecostais não é uma tarefa fácil, visto que há muitas variações entre as definições dos autores. Quem partilha esta ideia é MacArthur em seu livro “Os Carismáticos”. Entretanto, Bruner (2012, p.51), depois de analisar alguns escritos pentecostais, faz a seguinte síntese sobre o tema:

As características mais importantes do modo pentecostal de entender o batismo no Espírito Santo [...] são: (1) que o acontecimento é geralmente “distinto da experiência do novo nascimento e subsequente a ele”; (2) que é evidenciado inicialmente pelo sinal de falar em outras línguas; e (3) que deve ser buscado “com sinceridade”.

Bruner (2012, p.59) também considera os resultados do Batismo do Espírito Santo nas seguintes palavras: “[...] acrescenta à fé inicial, à da conversão: (1) A habitação do Espírito no crente, ou sua plenitude e, portanto, (2) o poder para o serviço, com o equipamento, geralmente (3) dos dons do Espírito.” Para Bruner fica claro que a ênfase pentecostal está sobre o batismo no Espírito Santo, prevalecendo até mesmo sobre a própria pneumatologia. E isto os distingue dos demais seguimentos do cristianismo, ou seja, a atenção que dão para a experiência sobrenatural do enchimento do Espírito conforme descrita por Lucas em Atos (BRUNER, 2012, p.48).

Outro autor que sintetiza a visão pentecostal é Sproul (2002, p.115), o qual identifica “o batismo do Espírito Santo como a obra especial do Espírito Santo mediante a qual o crente é dotado com poder, para sua vida e serviço cristão.” Em outras palavras, é uma ação que distingue alguns crentes dos demais, fazendo-os especiais.

Portanto, para os pentecostais, o Batismo com o Espírito Santo é a repetição do evento de Atos 2.4 na individualidade de cada crente: “Todos ficaram cheios do Espírito Santo e passaram a falar em outras línguas, segundo o Espírito lhes concedia que falassem.” Esta é a marca distintiva dos pentecostais, a qual deve ser buscada ardentemente até que seja obtida.

Perspectiva Reformada

Diferente da visão pentecostal, a visão reformada segue na direção de não associar o batismo do Espírito Santo com algo posterior a regeneração, antes, “[...] o baptismo [sic] do Espírito é o acto [sic] pelo qual Deus nos faz membros do Corpo de Cristo.” (PACHE, 1957, p.80). Pache chega a esta conclusão analisando o texto de 1 Coríntios 12.13: “Pois, em um só Espírito, todos nós fomos batizados em um corpo, quer judeus, quer gregos, quer escravos, quer livres. E a todos nós foi dado beber de um só Espírito.” Ou seja, é por um ato único do Espírito que o crente é batizado e unido ao corpo de Cristo. Este mesmo autor ainda diz: “É mais uma prova que o baptismo [sic] do Espírito refere-se não ao estado espiritual do crente, mas à sua posição. [...] o baptismo [sic] do Espírito é o acto [sic] pelo qual Deus dá ao crente a sua posição em Jesus Cristo. (PACHE, 1957, p.81). Também comentando o texto de 1 Coríntios 12.13, MacArthur (2002, p.116) afirma: “Paulo unia duas verdades essenciais aqui. Uma é a formação do corpo pelo batismo do Espírito, e a outra é a vida interior do corpo enquanto bebemos de um só Espírito.” Para este autor, a ênfase do texto Paulino está na unidade do corpo, ou seja, “[...] todos os crentes são batizados com um Espírito num só corpo.” (MACARTHUR, 2002, p.117). Porém, quando o pentecostal assume que o Batismo do Espírito é um evento diferente da regeneração, ele quebra, justamente, a unidade do Corpo de Cristo, criando duas categorias de crentes pertencentes a este Corpo, o que contraria diametralmente a ideia de 1Coríntios 12.13, como se Cristo fosse o cabeça de dois corpos parcialmente unidos, uma aberração.

Além de quebrar a união essencial do Corpo de Cristo, a ideia pentecostal de Batismo do Espírito Santo também redefine a doutrina da salvação. Sobre isto, MacArthur (2002, p.119) afirma: “Ele (o pentecostal) está dizendo que a salvação realmente não nos dá tudo o que pensamos que nos daria. Está dizendo que ainda falta alguma coisa, que precisamos de ‘algo mais’”. Podemos acrescentar a esta argumentação o questionamento de Pache (1957, p.83) “Efetivamente se eles estão em Cristo, como hão de procurar o que receberam no início da sua vida cristã?” Ele reforça o seu argumento demonstrando biblicamente que todas as referências paulinas no tocante ao Batismo do Espírito estão no passado, como um evento já realizado e comum a todos os crentes (1Co. 12.13; Cl.2.12; Gl.3.27 e Rm.6.3-4). Portanto, uma vez que o pecador é regenerado e enxertado no Corpo de Cristo, não há um novo patamar para ser galgado. Há, entretanto, algo a ser buscado pelos crentes. E é neste ponto que MacArthur acredita estar a confusão: “Continuamente converso com carismáticos e estudo os seus escritos, e torna-se cada vez mais claro que eles confundem o batismo com o Espírito, que coloca o crente no corpo de Cristo, com a plenitude do Espírito, que produz a vida cristã eficaz”. (MACARTHUR, 2002, p.122, grifo do autor). Para este autor, em Atos 2.1-4 aconteceu, em ato contínuo, duas coisas distintas, uma foi o batismo pelo Espírito e a outra foi o enchimento do Espírito capacitando-os ao testemunho poderoso, que pode ser visto na vigorosa pregação de Pedro. MacArthur (2002, p.122) resume isto da seguinte maneira: “Pentecoste foi uma experiência única. Aconteceu apenas uma vez. O crente hoje não precisa dum ‘Pentecostes’ em sua vida. Tudo o que precisa é entregar-se ao Espírito, que já está aí. Então ele terá o poder do Espírito.” O Pentecostes é um evento histórico que faz parte da história da salvação à semelhança da morte e ressurreição de Jesus. Se estes não se repetem, aquele também não tem porque repetir (MACARTHUR, 2002, p.121).
A pergunta que fica é como os pentecostais chegaram ao entendimento que têm sobre o Batismo do Espírito Santo? Os textos balizadores para os pentecostais são: Atos 2; 8.14-17; 10.44-46; 19.1-6. Sproul (2002, p.119) entende que “A suposição fundamental da teologia neopentecostal é que o propósito da narrativa bíblica é ensinar-nos o que aconteceu então, como a norma para todas as gerações de crentes.” Embora pareça ser bíblico, este entendimento denuncia um erro básico na hermenêutica pentecostal, que transforma as narrativas listadas acima em textos normativos. Além disso desconsidera o propósito do livro de Atos, que é demonstrar como o Evangelho saiu de Jerusalém e da Judeia, se propagou pela Samaria e alcançou os confins da terra (Atos 1.8). A aparente repetição do Pentecostes em Atos 8 (pentecoste samaritano), Atos 10.44-48 (pentecoste gentílico), Atos 19.1-6 (pentecoste dos discípulos de João), “[...] não são repetições do que tomou lugar no Pentecoste, como uma série que haveria de se estender indefinidamente. Em vez disso, são elementos da difusão inicial de um único e não repetitivo complexo de eventos” (GAFFIN, 2010, p.26). Este mesmo autor ainda argumenta:

Para compreender a realidade envolvida, podemos dizer que estes eventos são extensões do Pentecoste, partes da expansão ou difusão do escopo do batismo com o Espírito, ou o cumprimento da promessa do Pentecoste em estágios ou instâncias, mas sempre sob a premissa de que “extensões”, “estágios”, “expansões” são determinados e restritos em seu uso ao que teve lugar uma vez por todas por meio do ministério fundacional dos apóstolos. (GAFFIN, 2010, p.27)

Em outras palavras, a aparente repetição do Pentecoste foram apenas “estágios” fundacionais de um mesmo evento que tivera início em Atos 2 e se repetiu com o fim de confirmar para os apóstolos que o mesmo que se dera entre eles e os 120 discípulos, estava também ocorrendo entre samaritanos e gentios. Esta foi a base de argumentação de Pedro diante do Concílio de Jerusalém ao explicar o ocorrido entre os gentios na casa de Cornélio: “Pois, se Deus lhes concedeu o mesmo dom que a nós nos outorgou quando cremos no Senhor Jesus, quem era eu para que pudesse resistir a Deus?” (Atos 11:17).
Portanto, a doutrina pentecostal do batismo do Espírito Santo como uma “segunda bênção” pós-conversão carece de uma base bíblica mais sólida e de uma hermenêutica mais acurada para se estabelecer. Para concluir esta discussão, faço minhas as palavras de René Pache (1957, p.89):

No que diz respeito a agitação, crises, tremuras, contorções, e tudo mais que, segundo alguns, acompanham o batismo do Espírito, a Bíblia não somente não fala nelas, mas afirma solenemente que Deus é um Deus de paz, de ordem, de decência e ao mesmo tempo de santidade (I Cor. 14:33,40). Se tais coisas produzem, não podem ser, portanto, vindas do Alto!

 Referências

A BÍBLIA Sagrada. Tradução João Ferreira de Almeida. Revista e Atualizada no Brasil. 2ed. Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 1999.
A Confissão de Fé de Westminster. São Paulo: Cultura Cristã, 2008.

BRUNER, Frederick D. Teologia do Espírito Santo: A experiência Pentecostal e o testemunho do Novo Testamento. São Paulo: Cultura Cristã, 2012.

GAFFIN, Richard B. Jr. Perspectivas sobreo Pentecostes: Estudos sobre o ensino do Novo Testamento acerca dos dons. São Paulo: Os Puritanos, 2010.

MACARTHUR, John F. Jr. Os Carismáticos: um panorama doutrinário. São José dos Campos: FIEL, 2002.

PACHE, René. A Pessoa e a Obra do Espírito Santo. Leiria: Edições Vida Nova, 1957.


SPROUL, R.C. O Mistério do Espírito Santo. São Paulo: Cultura Cristã, 2002.

                                                             
 Autor: Vanderson Scherre Gomes - Colaborador do MCA

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