sábado, 28 de fevereiro de 2015

Entendendo a doutrina do ‘Decreto’ – Deus é autor do pecado?

Hoje, e sempre, calvinistas e arminianos vivem de caricaturas. Como já escrevi aqui no blog, essa prática é de ambos os lados. Da parte de calvinistas é comum ler e ouvir eles dizerem que para os arminianos Deus não é soberano, já que o homem escolhe aceitar ou rejeitar a salvação. Segundo a caricatura calvinista, Deus ficaria frustrado assim. O que me pergunto é se Deus concedesse ao homem a escolha de sua salvação (usando nesse caso a graça preveniente), onde é que ele não seria soberano? Já que tal chance foi uma concessão do Deus Soberano, não vejo ausência de Soberania nessa postura. 

Além disso, devemos lembrar que nem todo arminiano tem consciência da postura clássica dessa escola. Infelizmente, no seio pentecostal as pessoas pensam mais como semi-pelagianos (por causa da desinformação), do que como arminianos propriamente ditos. Daí fazermos um julgamento a partir dessa postura limitada, é uma desonestidade de referência.

Por outro lado, e é o que vou tratar nessa postagem, ler arminianos dizerem que o calvinista faz de Deus autor do pecado, do mal (contraposto ao “bem” como princípio), e do mau (contraposto ao “bom” como atividades), é igualmente uma caricatura. É triste ler, como já li, que o Deus calvinista e o diabo não tem diferença. Lamentavelmente, algo nessa direção foi escrito por nosso grande irmão John Wesley, o avivalista. Mostrarei com base em nossos escritos Confessionais, que essa é uma ‘má compreensão’ do que os Reformados querem dizer com a doutrina do decreto e o total domínio divino das coisas que ocorrem no mundo.

Esclarecimentos: ‘Calvinismos’, ‘Calvinianos’, Calvinistas e Reformados. Preciso esclarecer algo antes de labutar com o tema. Hoje percebemos um grande número de pessoas defendendo os cinco pontos do calvinismo e se identificando com a Fé Reformada. Porém, é necessário dizer, que existem “calvinistas ao seu próprio modo”. Além disso, defender os chamados cinco pontos do calvinismo, não é ser necessariamente Reformado, é bom dizer isso. E nem todo escritor calvinista pode ser considerado como representante da Fé Reformada, ainda que ele se identifique assim. Há também os que são calvinistas pois consideram os escritos de João Calvino como autoridade teológica final para todas as questões. Considero tais como “calvinianos”. Os calvinistas fluem com a Fé Reformada, mas não prescrevem necessariamente os postulados gerais das confissões, embora estão em acordo com elas na maioria dos casos. Por ultimo, Reformados são aqueles que aderem aos padrões confessionais produzidos por teólogos calvinistas, aceito por igrejas Reformadas. Para nós, João Calvino é uma peça importante para a construção dessa escola, mas não é a palavra final. Como disse o Rev. Ageu Magalhães, ‘com mais tempo, as Confissões tiveram uma reflexão teológica mais amadurecida do que Calvino’.

Essa diversidade pode ser vista em todo seguimento arminiano também. Percebemos, por exemplo, Norman Geisler sendo arminiano de quatro pontos, mas chamando a si mesmo de “calvinista moderado”, como notamos no livro Eleitos, mas Livres. – o que foi um uso impróprio do termo. Ao passo que percebe-se que o arminianismo posterior foi mais longe do que o teólogo cristão protestante Jacó Armínio, no que tange a segurança eterna. Pelo que sabemos, Jacó Armínio não fechou a questão, nem positivamente, nem negativamente.

I. Deus é autor do pecado?
Em primeiro lugar, é necessário mostrar que é uma desonestidade intelectual de alguns arminianos dizerem que os Reformados fazem de Deus autor do pecado. Pode ser também uma desinformação, ou uma conclusão desonesta do que pensamos. Infelizmente também é verdade que alguns calvinistas defendam isso, com sutis variações filosóficas. Há um grau de culpa também saindo de nosso arraial. Mas devo lembrar que eles não são representativos. Não são Reformados nem Calvinistas, nem ‘Calvinianos’. São calvinistas ao seu prórpio modo.

No entanto, percebemos nitidamente, em dois momentos na Confissão de Fé de Westminster, que os reformados NÃO afirmam que Deus é autor do pecado. Perceba:
·        
“       "[...] nem Deus é o autor do pecado [...]” CFW III: I

·         “[...] Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado nem pode aprová-lo.” CFW V: IV

Comentando essa parte da CFW, A. A. Hodge diz:

“Permanece indiscutível que não se acha em Deus a causa* do pecado, (a) porque ele é absolutamente santo; (b) porque o pecado é em sua essência (violação da vontade de Deus); (c) porque o homem como agente livre é a causa responsável de suas próprias ações.” (Confissão de Fé de Westinster comentada por A. A. Hodge, p. 101[grifo meu]).

[*Notamos nesse uso, que A. A. Hodge discordaria de Gordon Clark, quando este faz uma distinção entre “causa” e “autoria”, do pecado. Sendo a primeira Deus e a segunda o homem pecador (Deus e o Mal, p. 80).]

Percebemos que a caricatura que fazem é desonesta e no mínimo serve aos intentos do diabo – pois esse é caluniador. Quando alguns arminianos dizem isso dos Reformados, quando os tais mostram que não.

Até mesmo João Calvino, aclamado por muitos e odiado por vários, afirma categoricamente:

“Só porque afirmo e mantenho que o mundo é dirigido e governado pela secreta providência de Deus, uma multidão de homens presunçosos se ergue contra mim, alegando que apresento Deus como autor do pecado.” (Livro dos Salmos, I, p.44,45; citado em João Calvino 500 anos, p. 65[grifo meu]).

Especialmente, a CFW poderia calar os caluniadores, mas sabemos que não será possível. Outros, que acusam os Reformados, apresentam razões dentro dos escritos de autores calvinistas, referências a um decreto para o mal. E é sobre a natureza dos mesmos que vamos falar agora.

II. A má compreensão do decreto pelos arminianos
Talvez alguns pensem que estou sendo pedante, mas independentemente disso, devo arriscar-me em dizer: os armnianos não entendem (passiva ou ativamente, não sei) o que cremos a respeito dos decretos. Vamos aos postulados Confessionais.

·         “Desde toda a eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade, ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas. Ref. Isa. 45:6-7; Rom. 11:33; Heb. 6:17; Sal.5:4; Tiago 1:13-17; I João 1:5; Mat. 17:2; João 19:11; At.2:23; At. 4:27-28 e 27:23, 24, 34.” CFW - III.I

·         “Posto que, em relação à presciência e ao decreto de Deus, que é a causa primária, todas as coisas acontecem imutável e infalivelmente, contudo, pela mesma providência, Deus ordena que elas sucedam conforme a natureza das causas secundárias, necessárias, livre ou contingentemente. Ref. Jer. 32:19; At. 2:13; Gen. 8:22; Jer. 31:35; Isa.10:6-7.” CFW - V: II

·         “A onipotência, a sabedoria inescrutável e a infinita bondade de Deus, de tal maneira se manifestam na sua providência, que esta se estende até a primeira queda e a todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os limita, e regula e governa em uma múltipla dispensarão mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas transgressões procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado nem pode aprová-lo. Ref. Isa. 45:7; Rom. 11:32-34; At. 4:27-28; Sal. 76:10; II Reis 19:28; At.14:16; Gen. 50:20; Isa. 10:12; I João 2:16; Sal. 50:21; Tiago 1:17.” CFW - V: IV

A preocupação Reformada em dizer isso, conforme revela a Bíblia, não é para colocar um conceito sobre o caráter de Deus em uma situação ‘ruim’. Antes, a preocuapação Reformada é demonstrar o domínio verdadeiro e real de Deus, para não cairmos num deísmo, [e agora, em um Teísmo Aberto]. Note que o que a fé Reformada diz a respeito do decreto é que o SENHOR tem o domínio pleno e não parcial. Não é uma permissão passiva, como que de alguém que não poderia fazer nada, ou que mesmo na situação, não esteja fazendo nada. Temos abundantes testemunhos bíblicos (Mt 10.28-31; etc.).

Como entender, desta forma, Deus ‘preordenar’ as coisas, incluindo, o pecado e o mal que as criaturas realizam? Com a palavra, o renomado teólogo Louis Berkhof:

“[a vontade do decreto] é a vontade de Deus pela qual ele projeta ou decreta tudo que virá acontecer, quer pretenda realizá-lo efetivamente (causativamente), quer permita que venha a ocorrer por meio da livre ações das Suas criaturas racionais.” “[a vontade do prazer de Deus] só se refere ao bem, e não ao mal; Cf Mt 11.26.” (Teologia Sistemática, p. 74).

Assim posto, concluímos que ...

Ø Nem tudo que Deus decreta é feito causativamente por ele...

III. Como Deus seria glorificado no pecado?
A Teologia Reformada está centrada na Glória de Deus (Rm 11.36). Esse é o tema do universo, a razão primeira e ultima de todas as coisas. A salvação do homem não é o tema central da Bíblia, mas a salvação do homem é para glorificar a Deus. Por isso deve nos interessar a evangelização e a missão. Encontrar pessoas que glorifiquem a Deus e sejam, com isso, salvas em Cristo (Rm 10.9,10; Fl 2.10). Diante disso, alguns se perguntam como a situação do mundo em pecado glorificaria a Deus, como notamos nas afirmações de autores Reformados? Como pedofilia, homicídios, terrorismo, tortura, glorificaria a um Deus santo?

Minha resposta a essas perguntas segue a alguns princípios – Deus diz em Sua Palavra que o pecado é prejudicial (Gn 2.17). Deus diz em Sua Palavra que as pessoas que se afastam Dele seriam animalescas ( II Tm 3.3,4). Deus diz em Sua Palavra que colocou o mundo todo em maldição por causa do pecado (Rm 8.20,21); Embora não podemos ‘fracionar’ Deus em atributos, nós só podemos conceber que os atributos da verdade e da justiça são os meios pelos quais Deus é glorificado nas ações más dos homens (Rm 3.4). Deus em sua bondade não é glorificado quando um homem queima outro nas chamas, mas Ele é glorificado como justo quando queimar eternamente os ímpios no inferno (Ap 20.10).

IV. A Sincera Oferta do Evangelho e o Decreto.
Quando Deus viu a humanidade caída, como é a posição infralapsariana das Confissões, não desejou Ele que ela saísse daquela condição? Suas manifestações constantes na Escritura de enviar essa mensagem de perdão e arrependimento a todos os homens e em todos os lugares é uma evidencia, não apenas da Sincera Oferta do Evangelho, como atesta a Bíblia (Ez 18.31,32; Mt 23.37; At 17.27, etc.), mas que há em Deus um desejo sincero em ver os que ouvem seu convite aceita-lo! Obvio que sim. E a Bíblia está repleta desse desejo. Isso é chamado de Sincera Oferta do Evangelho – defendido por muitos Reformados Confessionais:

João Calvino -

“Não há nada que Deus deseja mais ardentemente do que, que aqueles que estejam perecendo e correndo para a destruição retornem o caminho de segurança” “Se alguém mais contestar – isso é fazer Deus agir com duplicidade – a resposta está preparada, que Deus sempre quer a mesma coisa, embora por diferentes meios e modo inescrutável para nós.” (Citado em Evangelização Teocêntrica, p. 30).

“Afirmamos que Deus não quer a morte do pecador, uma vez que ele chama todos igualmente ao arrependimento e promete a si mesmo estar preparado para recebê-los se eles seriamente se arrependerem. Se alguém objetasse – então não há eleição de Deus pela qual ele predestinou um número fixo para a salvação – a resposta estaria à mão: o Profeta não fala aqui do conselho secreto de Deus, mas só chama do desespero homens miseráveis, para que eles se apreendam a esperança de perdão, e se arrependam e abracem a salvação oferecida.” (Citado em Salvos Pela Graça, pp. 80,81).

Herman Bavinck -

 “ o chamamento, não obstante, é de grande valor e significação também para aqueles que o rejeitam. Para todos, sem exceção, é prova do infinito amor de Deus, e sela a declaração de que Ele não tem prazer na morte do pecador, mas que ele se volte e viva.” ( Dogmatick, IV, 7 – citado em Evangelização Teocêntrica, p. 31).

R. B. Kuiper -

 “O Deus de amor dispôs que o Evangelho será pregado em toda parte, e Ele nos informa em Sua Palavra que deseja a salvação de todo pecador alcançado pelo Evangelho.” (Evangelização Teocêntrica, p. 21).

“Fato da maior importância é que a Palavra de Deus ensina inequivocamente, tanto a reprovação divina, como a universalidade e a sinceridade do oferecimento do Evangelho.” (Evangelização Teocêntrica, p. 29).

“[o] sincero oferecimento do Evangelho é firme e ensinado em Ezequiel 33.11, 2 Pedro 2.9 e em outra partes mais.” (Evangelização Teocêntrica, p. 29).

John Murray –

“O amor ou benignidade por detrás dessa oferta, não é nada menos que a vontade para essa salvação.” (http://www.monergismo.com/textos/evangelismo/prefacio-hipercalvinismo_gerstner.pdf).

Antony Hoekema –

“ [...] a pregação do evangelho é uma bem-intencionada oferta do evangelho, não só da parte do pregador, mas da parte de Deus, a todos que ouvem; e que Deus séria e honestamente deseja a salvação de todos aos quais o convite do evangelho chega.” (Salvos Pela Graça, p. 80).

Sínodo de Dort -

“Todos os que são chamados pelo evangelho são seriamente chamados. Séria e genuinamente Deus faz conhecido na sua Palavras aquilo que o agrada: que aqueles que são chamados se acheguem a ele. Seriamente promete também descanso para a alma e vida eterna a todos que venham a ele e creiam.” Cânones de Dort, III, 8.

O Catecismo Maior de Westminster perguntas 67 e 68 mostra que a diferença está no tempo de Deus, na eficácia da oferta por Ele mudar o individuo, e não na sua sinceridade. Pois os homens ímpios

“pela sua negligência e o desprezo voluntário da graça que é oferecida, são justamente deixados na sua incredulidade e nunca se chegam sinceramente a Jesus Cristo.”

Portanto, creio que nos planos eternos de Deus e em seu constante relacionamento com o homem caído, ele não mudou sua disposição iniciada na eternidade, de ver todos tendo um relacionamento pacífico com Ele. Infelizmente, a Queda – federativa e experimental – demonstra que esse desejo do prazer de Deus foi e é rejeitado pelos pecadores – no Éden e em sua experiência diária. É tão certo esse desejo de Deus, como o é a rejeição do homem.

Ø Nem tudo que Deus deseja ele decreta...


Nessa rejeição geral, (determinada e prevista) devido a depravação total, Ele interveio com um decreto, de que dentre os tais, ele salvaria muitos – para isso, ele envia Seu Filho para resgatar os que por Deus foram eleitos, e somente a esses. O oferecimento da morte de Cristo cai no que Deus desejou, isto é, que todos fossem salvos – se fosse o caso de eles aceitarem, o que não acontece, por causa da livre escolha pelo pecado. Efetivamente, no entanto, sua morte foi objetiva e eficaz por aqueles que Deus escolheu, que é a única forma de reverter o quadro da rejeição generalizada.  

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

A Inerrância Bíblica - é de importância secundária?

Quando lemos que seitas como Mórmons, Adventistas, Espíritas, Testemunhas de Jeová*, Teólogos Liberais, Muçulmanos, dentre outros, negam a inerrância bíblica, é algo que não deveria nos surpreender. Porém, é triste saber e ver cristãos das fileiras evangélicas e protestantes aderindo à argumentação de que a Bíblia é inerrante em matéria de doutrina e não necessariamente em tudo o que diz. 

Nomes de apologistas como Alister McGrath, William L. Craig, não são identificados como crendo na inerrância bíblica. Teólogos como Daniel Fuller, Stephen Davis, Willliam LaSor, James Orr, Jack Rogers, G. C. Berkouwer, como atesta a Teologia Sistemática de Myatt e Ferreira, também não creem na inerrância absoluta (p. 105). Um verdadeiro cristão Reformado, e as demais correntes cristãs, defendem a inerrância como defendeu a Confissão de Fé de Westminster, que a Escritura possui completa perfeição(Cap. 1:5)

Não compartilho da visão de que esse assunto é secundário. Estamos falando da sustentação e integridade da revelação de todo assunto da fé. Se o texto que nos revela Deus (Sl 19.7-10; Jo 17.17), está sob tal conceito medíocre, já não temos uma base sólida para nos apegar. Sem inerrância não há inspiração divina. A inspiração exige a inerrância, e inerrância só existe onde há inspiração divina. Se o que João ou Lucas disseram o que Jesus disse – e isso é verdade, mas o que eles disseram a respeito dele em matéria histórica ‘pode’ser ou não, inerrante, estamos definitivamente perdidos com as informações que recebemos dos mesmos a respeito do que ele disse. Também, como afirmou Archer:

“Quase todas as doutrinas centrais da Escritura inserem-se em textos de estruturas históricas e muito comumente num contexto sobrenatural.” (Enciclopédia de dificuldades bíblicas, p. 27). Obs: Nesse livro, o autor oferece argumentação sólida das páginas 19 a 47, em defesa da inerrância plenária da bíblia.

Em momento algum na Escritura há a separação da inspiração do conteúdo. A Igreja do Novo Testamento, quando lia a Escritura, dizia que era Deus falando. Não importava o que estava no conteúdo da porção referenciada, a Escritura tinha autoridade divina (Mt 5.17,18; Rm 9.17; II Pe 1.20). O Nosso Senhor Jesus Cristo cria na inerrância. Criação, fatos históricos, etc., foram mencionados pelo Senhor sem ressalvas.

Alguns promotores do erro afirmam que o fato de Deus usar pessoas, e visto que pessoas são imperfeitas, é normal existir erros na Escritura. Essas pessoas comentem um engano de princípio. Uma pessoa vai errar e falhar sob suas condições naturais enquanto Deus não a preservar de erros.  Se, estamos dizendo que ela é inspirada por Deus é um recado de que o que está sendo escrito vem de Deus e não dela!!! (II Tm 3.15-17).

Além disso, a doutrina da inspiração não nega a identidade e capacidade do veículo humano, mas sim, que o mesmo está sob os cuidados do Autor que não erra:

“Na realidade, a doutrina da inspiração plena não nega individualidade dos escritores bíblicos; ela não ignora o uso que fizeram de meios ordinários para a aquisição de informação; ela não envolve qualquer falta de interesse nas situações históricas que deram origem aos livros bíblicos. O que ela nega é a presença de erros na Bíblia. Ela supõe que o Espírito Santo informou as mentes dos escritores bíblicos de tal forma que eles foram impedidos de cometerem os erros que danificam outros livros.” (Cristianismo e Liberalismo, p. 79).

Existem dificuldades de entendermos certos relatos bíblicos, sim é verdade. Existem contradições entre afirmações bíblicas e algum registro histórico, sim existe. A ciência e a Bíblia se desentendem em alguns pontos, sim. Mas isso não significa erros. Diante disso, o já citado autor conservador, G. Archer, dá algumas sugestões interessantes, que resumo a seguir (Enciclopédia de Dificuldades Bíblicas, p15-17):

1.      Esteja persuadido de que existe uma explicação satisfatória para a dificuldade, ainda que você não a tenha encontrado.
2.      Não seja precipitado em aceitar como erro qualquer problema Escriturístico.
3.      Estudo o contexto da passagem e suas implicações linguísticas e compare com o resto da Bíblia.
4.      Exegese bíblica é uma ciência que deve ser consultada.
5.      Procure harmonizar as passagens que possuem discrepâncias.
6.      Recorra aos cristãos fieis do cristianismo.
7.      Há problemas nas cópias dos  manuscritos de algum escriba não inspirado [Veja Greg L. Bahansen em A Inerrância da Bíblia, pp. 185-232 – também disponível no site monergismo.com. Esse livro foi organizado pelo cristão e apologista conservador Norman Geisler, como resultado das conferências de Chicago a respeito da Inerrância, com a colaboração de diversos cristãos ortodoxos de várias denominações cristãs].
8.      A Bíblia também é um documento arqueológico de peso.

Portanto, e por muito mais, creio na inerrância absoluta plena da Escritura. Não considero cristão ortodoxo quem nega essa verdade. Se entre arminianos, calvinistas, pentecostais, etc., o veneno mortífero começa a escorrer nas veias, não esperem que eu encarem os mesmo como cristãos: "[...] parece apropriado dizer que muitas igrejas protestantes liberais são na realidade falsas igrejas.” (Wayne Grudem. Teologia Sistemática, p 726). Concordo plenamente.




* No caso das Testemunhas de Jeová, não se atribuem alguma limitação à inspiração, mas que Deus não preservou os MSS do NT íntegros – já que a liderança TJ afirma ter restaurado o nome de Deus no NT, sem nenhum apoio científico (isto é, em algum manuscrito): “Aconteceu algo com o texto das Escrituras Gregas Cristãs [o NT] antes do quarto século que resultou na omissão do nome de Deus? Os fatos provam que sim.” (O Nome Divino, p.24). os ‘fatos’ são apenas especulações, visto que os

MSS antes do quarto século não apresentam o nome divino no texto do NT. 

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Os Padres Apostólicos e as doutrinas da graça

Recentemente irmãos do arraial arminiano tem alvorado a bandeira de que os ensinos calvinistas, especialmente relacionados aos chamados cinco pontos do calvinismo (ou Tulip), não era uma doutrina da igreja primitiva, portanto, não tem um amparo de uma interpretação antiga. O irmão Clóvis, editor do recomendável blog Cinco Solas, postou observações sábias a respeito dos pais e a doutrina da expiação (AQUI). 

Eu resolvi escrever algo a respeito, me concentrando, a princípio, nos Padres Apóstolicos. Considerados a primeira geração cristã de escritores, leigos e pastores, na geração imediata aos apóstolos. Devo também lembrar que estou refém da tradução que possuo da Editora Paulus. Qualquer imprecisão em meu julgamento, além de minhas próprias limitações, estou confiante na tradução que tenho em mãos.

Devemos dizer que de forma geral, os Padres Apostólicos não satisfazem o pensamento calvinista em seu conteúdo majoritário. Minha preocupação com essa postagem é julgá-los a partir do que escreveram que de alguma forma afeta o calvinismo e o arminianismo. Ao ler o livro, notei que em alguns pontos, o arminiano também terá que ficar com um pé (até dois) atrás.

Os Padres Apostólicos usam uma linguagem da vida prática, que é normalmente vista em arminianos e calvinistas – calvinista fala de perseverar na obediência, o arminiano fala de eleição, porém, tais termos, não raro, são mais identificados com o grupo oposto. O ponto em questão é que pouca reflexão houve em direção ao que Deus decidiu na eternidade e como ele aplicaria tal decisão. Eles dissertaram mais da vida do cristão do que das decisões eternas de Deus em relação a eles. Vejamos:

1. Clemente Romano:
Sua preocupação não foi dogmática, mas o que estava relacionado com a ‘vida, a fé, penitencia’, etc. (Aos Coríntios 62.1,2,3). Isso não significa que ao tratar de coisas práticas da fé, ele não tenha tido como pano de fundo a doutrina relacionada ao assunto em mira. No meu modo de ver, Clemente é um cristão ‘Arminiano’ (compreendam meu anacronismo). Ainda que em um momento ou outro, sua linguagem possa agradar algum calvinista, o uso que ele faz do termo eleito não é calvinista ao pesar toda sua carta. O uso que ele faz de eleito é sinônimo de cristão fiel, o que o calvinista não nega. Mas sem nenhuma construção mais refinada de ideia de eleição eterna ao olhar o indivíduo.

“Dia e noite, sustentáveis combate em favor da fraternidade, a fim de conservar íntegro, por meio da misericórdia e da consciência, o número dos eleitos.” (2.4)
“Nós, portanto, lutamos para sermos encontrados no número dos que o esperam, a fim de participarmos dos dons prometidos.” (35.4).
“Melhor seria para ele não ter nascido, do que escandalizar um só dos meus eleitos!” (46.8[nessa citação ele troca criança por eleito]).
“Serás inocente com o homem inocente, serás eleito com o homem eleito, mas com o perverso te perverterás [...]  Essa bem-aventurança é para os que Deus escolheu por meio de Jesus Cristo nosso Senhor. A ele, a glória pelos séculos dos séculos. Amém.” (49.5).
“Seus corações insensatos se endureceram, depois dos sinais e prodígios que Moisés, o servidor de Deus, tinha realizado no Egito.” (51.5)
“[...] pediremos que o Criador do universo conserve intacto o número dos seus eleitos no mundo inteiro, por meio do seu amadíssimo Filho Jesus nosso Senhor, por meio do qual nos chamou das trevas, da ignorância ao conhecimento do seu nome glorioso [...]” (52.2).
“Quanto ao resto, que o Deus que tudo vê e é Senhor dos espíritos e de todos os seres vivos – que elegeu o Senhor Jesus Cristo e, por meio dele, nos elegeu para sermos seu povo particular – conceda a toda pessoa que invoca o seu nome magnifico e santo, a fé, o temor, a paz e a perseverança.” (64.1).

2. Inácio de Antioquia.
Em Inácio nasce a supremacia de um bispo sobre os demais presbíteros. Embora notamos muitos dizendo que surgiu aqui o ‘clero’ Católico, é verdade também que surgiu o clero protestante. Provavelmente, temos aí, a mais antiga prova de que o batismo cristão deve ser realizado apenas por Ministros Ordenados (Esmirniotas 8.2). Inácio chama opositores da fé de ‘feras selvagens, cães raivosos’ (Efésios 4.1; 7.1). Foi um cristão que a bem dizer estimulou o martírio, sendo um dos tais. Tal como Clemente, mas com menos conteúdo, não se preocupou muito com doutrinas, mas com a vida piedosa. Jesus Cristo é chamado constantemente de “Nosso Deus”. Veja o que nos interessa:

“[...] à Igreja que foi grandemente abençoada com plenitude de Deus Pai, predestinada antes dos séculos para existir sempre, para uma glória que não passa, inabalavelmente unida, escolhida na paixão verdadeira, pela vontade do pai e de Jesus Cristo, nosso Deus. À Igreja digna de ser chamada feliz, que está em Éfeso [...]” (Efésios, Saudações).

A citação acima está em perfeita harmonia com a introdução da carta de Paulo aos mesmos destinatários. Pode ser alvo de interpretação arminiana e calvinista, tanto quando o é a carta inspirada. O grande ponto é – a igreja em mente aí são as pessoas ou a instituição espiritual? Creio, que se Inácio repete apenas os dizeres de Paulo, ele precisa pensar nas pessoas que, como igreja, foram escolhidas. Deus não escolheu vagas. Ele escolheu pessoas para preencher as vagas (Jo 14.1,2).

“Agatópodo, homem eleito que, tendo renunciado à vida, me acompanha desde a Síria [...]” (Aos Filadelfienses 11.1).

3. Policarpo.
O grande mártir cristão [Diferente de seu mentor, Inácio, ele não faz distinção entre o bispo e os presbíteros] Ele pode também nos revelar como não é possível encontrar uma definição para o veio a ser o calvinismo, ainda que apareçam lampejos que possam apontar nessa direção – ainda que seja muita escassa qualquer coisa que precisamos para construir uma afirmativa. A igreja que testemunhou a vida e morte de Policarpo, parece usar eleito na mesma concepção dos demais Padres, porém, com o viés de que foram fieis até a morte.

“as quais são os diademas daqueles que verdadeiramente foram escolhidos por Deus e nosso Senhor.” (II Filipenses 1.1).

A igreja que testemunhou  o martírio de Policarpo escreveu:

“Toda a multidão admirou-se de ver tão grande diferença entre os incrédulos e os eleitos” (16.1).
“Com ele glória a Deus Pai e ao Espírito Santo, para a salvação dos santos eleitos.” (22.1).
“Que o Senhor Jesus Cristo me reúna também com seus eleitos na glória do céu.” (22.5).

4. Hermas
Sofrível ler as visões de Hermas. Ele não foi instruído na doutrina bíblica. Demonstra pouco, ou quase nenhum conhecimento da Palavra (Um exemplo: 32.2 ele pergunta na visão se viúvo pode casar novamente). Seu conceito de salvação e perdão, é péssimo. Ele limita a graça ao batismo, e se pecar o crente com uma penitencia subsequente, pode receber perdão depois de um tempo. Um anjo da penitencia está envolvido nisso. Em um sentido doutrinário ele não é cristão. Sua cristologia é herética (78.1; 89.2). Apesar de demonstrar algum credo cristão correto e uma confissão de salvação do nome do Senhor (26.1; 23.4). Se seus erros são frutos de sua ignorância, deixemos nas mãos do Senhor que tudo julga justamente. Porém, não podemos concordar com o pensamento de Hermas e suas visões. Ele agradaria mais um semi-pelagiano. Não agradaria um arminiano, muito menos um calvinista.

Ele usa o termo eleito várias vezes (3.4; 5.3; 16.3; 17.9) como sinônimo de crente. E em uma dessas vezes, está claro que ele não compartilharia do credo calvinista também:

“O Senhor jurou por sua glória a respeito de seus eleitos: se depois deste dia [da conversão, ou da penitencia], fixado como limite, ainda se cometer um só pecado, eles não obterão a salvação, pois a penitência para os justos tem limite.” (6.5).

Hermas, portanto, não se qualifica para ser representante do pensamento da época a respeito das doutrinas da graça. Ele não seria arminiano, calvinista – ele não seria cristão ortodoxo.

5. Barnabé.
Esse cristão segue um padrão de interpretação altamente alegórico do VT, e essa sua preocupação inicial. Algumas de suas objeções ao judaísmo são bem duras.  Ele por fim se preocupa com a vida piedosa. Não há também uma doutrina refinada a respeito da polêmica em mira. Assim como os demais era ‘mais arminiano’ na maioria dos casos. Vejamos:

“tomais cuidado para não ficardes como certas pessoas, que acumulam pecados, dizendo que a Aliança está garantida para nós.” (4.6)

Na sequencia Barnabé reafirma que a Aliança é da Igreja como corpo, mas não como indivíduos. E aparentemente mostra que o que crente salvo, pode perder a salvação:

“Tomemos cuidado para não ficarmos tranquilos como chamados, adormecendo sobre nossos pecados, de modo que o príncipe do mal se apodere de nos e nos afaste do reino do Senhor.” (4.13).

Obs: Essa é uma linguagem bíblica. Os calvinistas não têm problemas com ela. Os crentes devem cuidar de si mesmos tendo certa a condenação se não permanecerem na graça. Porém, não percebemos que Barnabé em outro momento faça alguma descrição de uma segurança eterna.

“Ele, portanto, circuncidou nossos ouvidos, para que escutemos a palavra e creiamos.” (9.3).

Aqui percebemos a graça de Deus capacitando o homem para entender o Evangelho – que arminianos e calvinistas creem. A grande questão é se essa circuncisão atingiu seu objetivo – “para que creiamos”.

6. Didaquê.
Um documento cristão muito antigo, que servia de catecúmeno para iniciantes na fé. É como os demais escritos, totalmente prático, e pouco teológico, mas teologicamente satisfatório. Não trata de nada do tema. Nem em favor do arminianismo nem em favor do calvinismo.  É um documento que incomoda os imersionistas, pois chama de batismo o “derramar água”, não apresenta algo que os pedobatistas esperariam, pois fala apenas do batismo de adultos. É um bom testemunho em favor da doxologia do Pai Nosso, e do batismo trinitário (Mt 6.13; 28.19).

CONCLUSÃO
Os Padres Apóstolicos precisariam de uma refinada para entrarem na escola arminiana, mas pertenceriam a esse seguimento, com certeza. Evitando alguns termos que poderiam dar alguma margem para especulações. Da mesma forma eles não apresentaram uma doutrina a respeito da justificação, nos termos teológicos e bíblicos que conhecemos. A doutrina da trindade era presente, mas também não possuía uma definição tão aguçada quanto apareceu em Nicéia e Atanásio, que satisfez plenamente os dados bíblicos. Enquanto a eclesiologia era problemática na maioria dos casos, especialmente com forte tendências a um conceito de sacramentos que agrada mais aos católicos.


Podemos dizer que enquanto os Credos encontrou a seiva bíblica da divindade com mais precisão, a Reforma cuidou das doutrinas da graça, o que foi parcialmente trabalhado por Agostinho, mas redundou na doutrina da justificação bíblica, anteriormente esquecida. E os que fizeram isso, possuíam uma concepção mais calvinista.

sábado, 14 de fevereiro de 2015

O CACP, o Calvinismo e a salvação das crianças...

Aprecio muito o trabalho que o CACP faz em nome da verdade. São preciosos irmãos em Cristo, militantes pela causa da Igreja. Ultimamente, porém, o presidente do Centro assumiu uma guerra contra o calvinismo sem precedentes na história dos trabalhos apologéticos no Brasil. Não que os que são arminianos não assumiriam firmemente sua posição, mas o que temos visto no último ano no site do CACP saiu do campo apologético até então trabalhado.

Bom lembrar aqui, que as IPBs sempre convidaram o CACP para divulgação e edificação das atividades apologéticas do CACP. Quando ele diz que está ‘pagando caro’ por ser anticalvinista, não é um tratamento que ele recebeu da maior denominação calvinista do Brasil. Em São José do Rio Preto, por exemplo, no passado um Sínodo concedeu uma carta para o CACP, aprovando e recomendando as atividades do CACP. Destaco ainda que o CACP sempre foi arminiano, e jamais a IPB o tratou da forma como ele agora tem assumido – nem mesmo ministrar encontros apologéticos em Igrejas Presbiterianas por causa do calvinismo!! O exclusivismo acusatório pode ser visto nessa postura, não em presbiterianos.

Lamento muito por isso. Mas essa é a postura que ele assumiu. Ainda tenho esperança que um dia ele repensará tal comportamento, e perceberá que calvinismo é uma vertente do protestantismo histórico e magistral. Chegando ou não esse tempo, o terei como um irmão... quero provar com essa postagem de que posso discordar publicamente dele, e ainda continuarmos amigos.

Talvez um grande defensor da ortodoxia cristã contra o liberalismo teológico ‘seria’ um bom exemplo para o presidente do CACP, se ele não fosse calvinista, é claro!!

“Um calvinista é constrangido a considerar a teologia Arminiana como um empobrecimento sério da doutrina cristã da graça divina; e igualmente séria é a visão que o arminiano deve sustentar quanto à doutrina das igrejas das igrejas reformadas. Mesmo assim, aqui novamente, a verdadeira comunhão evangélica é possível entre aqueles que sustentam, com relação a algumas questões excessivamente importantes, visões aguçadas." (Cristianismo e Liberalismo, p. 57[Note que J. G. Machen não minimiza a diferença, mas acentua a semelhança - provavelmente ele pensa na infabilidade bíblica, na pessoa de Cristo, seu nascimento virginal, etc., assuntos que a teologia liberal nega]).

Talvez uma opinião de um arminiano pentecostal possa ser mais valiosa para o CACP. A. W. Tozer relata que John Wesley terminou sua carreira cristã cantando um hino de autoria calvinista (de Issac Watts: “Louvarei o meu Criador enquanto fôlego tiver, e, quando a minha voz estiver morrendo, com nobres forças adorarei.”) escreveu o seguinte:

“Pode-se dizer que atravessando a cerca teológica, Issac Watts e John Wesley se alcançaram, deram um abraço apertado e cantaram juntos.” (Recuperando o Cristianismo, p. 201).

Mais adiante no mesmo livro o arauto de Deus, Tozer, adverte:

“não pense, nem por um instante, que existem cristãos inferiores a você só por que não pertencem ao seu grupo.” (p. 248).

Pois bem, recentemente em uma postagem [e em várias outras] no site do CACP (http://www.cacp.org.br/o-calvinismo-e-as-criancas-no-inferno/) demonstra que ele alimentou um oposicionismo ao calvinismo que beira oposição às heresias das seitas. Infelizmente, meu querido irmão e amigo, não separou o que é periférico com o que é essencial no cristianismo. O assunto da postagem é a salvação de crianças.

Ele escreveu: “Calvino, como todos os homens, não foi infalível (1 Pe 1.24,25), e a sua teologia não é tão biblicocêntrica como se acredita. Alguns dos seus pensamentos quanto às doutrinas da salvação, por exemplo, são incongruentes, ilógicos, irracionais, inadequados e, consequentemente, antibíblicos.”

Primeiro agradecemos ao CACP por nos lembrar que Calvino não era infalível. Bom destacar que provavelmente não há na terra nem um calviniano, calvinista ou Reformado, que concorde com tudo que Calvino fez ou escreveu. Mas parece que o autor da postagem fez o que chamamos em apologética de “monstro de palha”.

Segundo, dizer que Calvino não possuía uma teologia 'tão bibliocêntrica', talvez, talvez, foi a coisa mais alienada que o nosso amigo já escreveu na vida. Nem mesmo Armínio chegaria a essa conclusão tão exagerada. Sinceramente. O acusador nunca na vida escreveu um comentário bíblico com domínio exegético, como fez Calvino, em um tempo que não se existia nem caneta esferográfica, muito menos computador, e ter a duração e utilidade mesmo após séculos de oposição.  Dizer que a teologia de Calvino possuía falhas, sem dúvidas, mas dizer que o Reformador Genebrino não tinha a Escritura como centro autoritativo de sua doutrina, é algo estranho.

Terceiro, afirma ele a respeito de Calvino: “Alguns dos seus pensamentos quanto às doutrinas da salvação, por exemplo, são incongruentes, ilógicos, irracionais, inadequados e, consequentemente, antibíblicos.” Vamos lá. Se Calvino não tinha uma teologia bibiocêntrica, automaticamente todas as suas doutrinas não estariam corretas, mas nosso irmão dizalgumas de suas doutrinas da salvação”. Algo melhorou aí. Então temos algumas outras que são lógicas e coerentes? Mais complicado, é que meu ‘companheiro’ na causa apologética, diz que por não ser lógico, coerente, adequado, resulta em não ser bíblico. Outro erro de apologistas seguidores de W. Lane Craig, Norman Geisler, entre outros [N. Geisler por exemplo diz que o homem é livre, mas não é livre para perder a salvação. Seria muito apropriado escrever dizendo então que o N. Geisler é incoerente com sua lógica, pois se um salvo não tem opção de escolher voltar a ser filho de Satanás, então obviamente ele não seria livre? Mas seria Eleito?]

Uma doutrina por ser bíblica não precisa ser necessariamente lógica. Para muitos a doutrina do inferno não é lógica, mas é bíblica. Nem tudo que um Deus Eterno afirma, será decifrado pela mente humano falível e finita. Portanto, era melhor dizer simplesmente que algumas doutrinas soteriológicas de Calvino não são bíblicas – pelo menos na opinião dele. Isso seria melhor para quem tem a Escritura acima da lógica.

·         A SALVAÇÃO DE CRIANÇAS

Depois da introdução anticalvinista, ele continua com o objetivo da postagem: “Vejamos o que disse Calvino acerca da salvação de crianças: “Os pequeninos que recebem o sinal da regeneração e da renovação, se passam deste mundo antes de chegarem à idade da razão, caso tenham sido escolhidos pelo Senhor, são regenerados e renovados pelo seu Espírito, como lhe apraz, segundo o seu poder, para nós oculto e incompreensível” (As Institutas [2006], III.11).”

Para refutar Calvino, ele diz: “É o amoroso Deus injusto? Não seria melhor Ele impedir a concepção desse infante? Teria o soberano Senhor prazer em permitir que uma criança viesse ao mundo apenas para ser condenada eternamente?”

Os argumentos do autor da postagem são humanistas, e parecem muito com os sentimentos de Ateus, Espíritas, Adventistas e Testemunhas de Jeová, ao rejeitarem a verdade do inferno.

“Que acharia de um genitor que segurasse a mão de seu filho sobre o fogo para castigá-lo por causa de uma transgressão? “Deus é amor” (1 João 4:8). Será que ele faria aquilo que um genitor humano com mente sã não faria? Certamente que não!” (Raciocínios, p. 196[grifo meu]).

Então após preparar o terreno sentimental, ele continua: “Como se vê, a teoria calvinista acerca da salvação das crianças não resiste a uma análise bíblica. Primeiro, porque o Senhor é justo e julgará a todos com justiça e retidão (Gn 18.25; Rm 3.5; 2 Tm 4.8). Segundo, porque, no Juízo Final, os réus serão condenados de acordo com as suas obras (Ap 20.12,13; 21.8). Que obras más tem um recém-nascido? Terceiro, porque em Marcos 16.16 está escrito: “… quem não crer será condenado”. Como um recém-nascido será condenado, uma vez que morreu antes de alcançar a maturidade necessária para crer?”

Responder a essa questão não é tão simples, mas possível. Em um primeiro momento, e para desconforto do autor da postagem, nem todo calvinista pensa da mesma maneira. Isso significa, que no bojo calvinista nem todos estão de acordo com Calvino – o que meu amigo João Flávio parece deixar de lado nesta postagem. Calvinistas como A. A. Hodge, J. C. Ryle, John Piper, entre outros, não compartilham dessa ideia de Calvino. Seria mais correto então dizer que “alguns calvinistas” não pensam assim. O objetivo da postagem, porém, não foi ser abrangente e imparcial... O que é mais importante, não é se fulano ou beltrano defende isso ou não. Temos que recorrer à Bíblia.

Ninguém até hoje mostrou na Bíblia, se Deus poupou os filhos daqueles que ele condenou no registro bíblico. 

Preste atenção, não estou ainda afirmando nada, nem negando. Mas se nosso pensamento deve estar cativo ao que a Escritura revela, então devemos lembrar que Deus destruiu Sodoma e Gomorra e aquilo foi um modelo, exemplo da condenação eterna. Judas escreveu:

“Assim como Sodoma e Gomorra, e as cidades circunvizinhas, que, havendo-se entregue à fornicação como aqueles, e ido após outra carne, foram postas por exemplo, sofrendo a pena do fogo eterno.” (Jd 7).

Deus livrou Ló e sua família ‘à força’ da destruição. Os anjos não foram naquelas cidades retirar de lá as crianças. Os pais foram punidos também por causa da condenação das crianças. Será que as crianças estão isentas da condenação eterna? A Bíblia não revela, antes disso, nos dá margem para concluir que não.

Outro exemplo bíblico é o caso do Dilúvio. Jesus disse que ‘assim como foram nos dias de Noé, assim será na vinda do Filho do Homem’ (Mt 24.38). E mostra a amplitude da condenação:

 “varreu a todos, assim será na vinda do Filho do Homem.” (Mt 24.39)

Se o nosso irmão do CACP pensasse assim: ‘Puxa Deus poderia ter feito uma arca para salvar as crianças, mas preferiu animais!?’ Seria também um questionamento recorrente da justiça invocada contra a condenação eterna das crianças!!

Outros exemplos bíblicos poderiam ser citados, como quando Deus mandou matar todos das cidades na jornada à Canaã, Jerusalém em 70, etc. Alguns argumentam que nesses casos as crianças foram salvas, mas qual a base bíblica para afirmarem isso? Nenhuma!!!

A doutrina da Queda não conclui a questão, segundo meu irmão em Cristo, Pr. João Flávio, pois será necessário ainda o crescimento para justificar a condenação uma condenação justa (!). Porém, ele esquece que a morte física é análoga da morte espiritual da Queda e subsequentemente condenação. Por isso “todos morrem” (Rm 5.12). Por não se lembrar disso, talvez, ele faz a objeção inócua: “No caso de um infante não-eleito que morre ao nascer, seria ele condenado pelo pecado herdado de Adão, mesmo sem ter chegado à idade madura?” Ora, se o infante morreu, morreu por que?

Por fim, ele comete uma falta de atenção em uma citação bíblica da postagem:

“Com todo respeito a Calvino, Jesus deixou claro que a salvação das crianças que não atingem a idade da razão nada tem que ver com eleição arbitrária ou predestinação incondicional. Em Mateus 18.2,3 está escrito: “E Jesus, chamando uma criança, a pôs no meio deles e disse: Em verdade vos digo que, se não vos converterdes e não vos fizerdes como crianças, de modo algum entrareis no Reino dos céus”.

Com todo respeito ao João Flávio Martinez, o problema é que esse texto tem um contexto. No versículo seis (6), três adiante que citou, Jesus mostrou que o caso em mira não pode ser citado para crianças que não atingiram a idade da razão. Pois Jesus disse:

“Mas qualquer que escandalizar um destes pequeninos que creem em mim [...]” (Mt 18.6).

Sobre o texto de Mateus 19.14, aí sim, temos um exemplo melhor para o tema. Com base nesse, J. C. Ryle também diz que, por causa dessa passagem, podemos esperar sem dúvida a salvação de todas as crianças (Meditações no Evangelho de Matheus, p. 157).

  • Porém, na minha limitada visão, Jesus não está dizendo que todas as crianças serão salvas. Ele está dizendo que as crianças que são levadas a ele, mesmo não sabendo quem é o Senhor, é que serão salvas. Creio que, apenas os filhos dos cristãos serão salvos, e dos que levam seus filhos e outras crianças ao Senhor Jesus.


Estou com o  Sínodo de Dort nesse ponto, por causa da doutrina bíblica da aliança.

“[...] os pais que temem a Deus não devem ter dúvida da eleição e salvação de seus filhos, que Deus chama desta vida ainda na infância.” (Artigo 17).