COMENTÁRIOS SOBRE O SERMÃO
“POR QUE NÃO SOU CALVINISTA?” DE IVAN SARAIVA
por Bruno dos Santos Queiroz.
O
objetivo deste artigo é fazer algumas breves pontuações sobre o sermão “Por que
não sou calvinista?” pregado pelo pastor adventista Ivan Saraiva no programa
“Está Escrito Adoração” (AQUI). É comum ouvir da seita Adventista (veja provas que essa igreja é uma seita AQUI) da qual o autor faz parte, que
os apologistas cristãos não leem as fontes primárias do Adventismo e que por
isso se limitam a atacar espantalhos. Mas os adventistas parecem nos acusar do
erro que na verdade são eles mesmos que cometem. Sobre o vídeo se pode observar
que Ivan Saraiva:
1.
Confunde calvinismo com fatalismo.
A
doutrina calvinista ensina que Deus
determinou todas as coisas. Isso significa que Deus estabeleceu não somente
o fim, mas também os meios pelo qual esse fim seria alcançando. Desse modo, por
seu decreto, Deus estabeleceu uma rede concatenada de conexões causais de modo
que para determinados fins são necessários determinados meios. É nesse sentido que
a Bíblia fala de condicionais, como quando diz “se alguém invocar o nome do
Senhor, esse será salvo”, ou “sem santificação ninguém verá o Senhor”.
“IV. A onipotência, a sabedoria inescrutável e a
infinita bondade de Deus, de tal maneira se manifestam na sua providência, que
esta se estende até a primeira queda e a todos os outros pecados dos anjos e
dos homens, e isto não por uma mera permissão, mas por uma permissão tal que,
para os seus próprios e santos desígnios, sábia e poderosamente os
limita, e regula e governa em uma múltipla dispensação [...]” (CFW,
cap 5).
A Confissão de Fé ainda explica, como um alerta, a
concepção de previsão: “II. Ainda que
Deus sabe tudo quanto pode ou há de acontecer em todas as circunstâncias
imagináveis, ele não decreta coisa alguma por havê-la previsto como futura, ou
como coisa que havia de acontecer em tais e tais condições. At. 15:18;
Prov.16:33; I Sam. 23:11-12; Mat. 11:21-23; Rom. 9:11-18.”
Visto
que Deus determinou também os meios, não haverá salvação para aqueles que não
se conformarem aos padrões morais de Deus. Além disso, Deus determinou fazer
uso das nossas orações para executar alguns dos seus propósitos. Assim, os
calvinistas oram sabendo que Deus determinou cumprir algumas coisas em
respostas as suas orações, e se esforçam para viver em santidade.
Diferente da doutrina calvinista, o fatalismo ensina que o Destino
estabeleceu os fins independentes dos meios. Assim, não importa o que aconteça,
o que está destinado a acontecer, acontecerá. Quando o pastor argumenta que:
“Não importa nada se o indivíduo foi predestinado ele pode fazer o que quiser
da vida dele que ele será salvo.” Ou quando questiona sobre “Por que orar se
tudo está determinado?”, fica claro que
a doutrina que Ivan Saraiva está refutando não é o calvinismo, mas sim o
fatalismo.
2.
Confunde livre-arbítrio com liberdade.
O
pastor adventista, ao observar que Lutero e os calvinistas negam o
livre-arbítrio do homem caído, conclui que isso significa a negação da
liberdade humana. E daí passa a entender
que os calvinistas negam a responsabilidade humana e que ensinam que Deus coage
e força as pessoas a fazerem Sua vontade. Mas não é verdade que calvinistas, ao
negarem o livre-arbítrio do homem caído, negam com isso a liberdade de escolha
do ser humano.
Ivan
Saraiva define livre-arbítrio como um indivíduo que tem o árbitro de definir
por si mesmo o que é certo ou errado e para definir o que fará da sua vida. Tal
livre-arbítrio, para o referido pastor, é exercido independente do decreto de
Deus. Ele observa que nem todos os detalhes podem estar predestinados e que
precisa haver um espaço para que o homem exerça sua liberdade. Tal noção não é
nem mesmo ortodoxa, e aproxima-se muito mais do teísmo aberto. O pastor chega a
afirmar que Deus nos escolheu para ajudá-lo a governar!
É
evidente que os calvinistas rejeitam tal visão neoteísta herética de
livre-arbítrio. Mas isso não significa que o calvinismo negue o livre-arbítrio
e a liberdade de escolha segundo uma definição que não contrarie a soberania
divina. De uma maneira didática e dentro de uma perspectiva
agostiniana,poderíamos definir livre-arbítrio como o poder de escolher tanto o bem, quanto o mal. Nesse sentido, Adão
tinha livre-arbítrio, pois ele tinha
poder tanto de obedecer a Deus quanto de desobedecê-Lo. No entanto, seu querer foi o mal. Quando a Queda
aconteceu, a humanidade perdeu o poder
de fazer o bem espiritual (assim o homem não tem mais livre-arbítrio), mas
permaneceu livremente e voluntariamente querendo o mal. Isso
significa que quando alguém peca, ele está simplesmente fazendo o que quer,
ainda que não possa, por si mesmo, fazer o contrário.
Os
calvinistas não negam, portanto, que os homens sejam moralmente responsáveis.
Afirmam tanto que Deus decreta o pecado, mas de uma forma tal que Ele não é o
Autor do pecado, quanto que o homem escolhe livremente pecar, e por isso é
moralmente responsável pelos seus atos. Afirmam também que Deus não coage, nem
viola a vontade humana. Os calvinistas simplesmente ensinam que para que o
homem se volte para Deus, Ele precisa ter seu coração mudado, pois no estado
natural ninguém jamais escolheria a Deus. Mas o homem regenerado não é coagido
a se voltar para Cristo, ele faz isso livre e voluntariamente segundo sua nova
natureza.
Considerando que os Símbolos de Westminster,
representa o pensamento teológico da fé Reformada, pode dizer categoricamente
que qualquer que diz ser presbiteriano e faz uma afirmação, no sentido de Deus
ser autor do pecado, automaticamente, virtualmente, ele não pode ser
presbiteriano – confessional. Perceba o que é confessado pela crença
presbiteriana:
“I. Desde toda a
eternidade, Deus, pelo muito sábio e santo conselho da sua própria vontade,
ordenou livre e inalteravelmente tudo quanto acontece, porém de modo
que nem Deus é o autor do pecado, nem violentada é a vontade da criatura, nem é
tirada a liberdade ou contingência das causas secundárias, antes estabelecidas. Isa.
45:6-7; Rom. 11:33; Heb. 6:17; Sal.5:4; Tiago 1:13-17; I João 1:5; Mat. 17:2;
João 19:11; At.2:23; At. 4:27-28 e 27:23, 24, 34.”
“IV. A onipotência, a
sabedoria inescrutável e a infinita bondade de Deus, de tal maneira se
manifestam na sua providência, que esta se estende até a primeira queda e a
todos os outros pecados dos anjos e dos homens, e isto não por uma mera
permissão, mas por uma permissão tal que, para os seus próprios e santos
desígnios, sábia e poderosamente os limita, e regula e governa em uma múltipla
dispensação mas essa permissão é tal, que a pecaminosidade dessas
transgressões procede tão somente da criatura e não de Deus, que, sendo
santíssimo e justíssimo, não pode ser o autor do pecado nem pode aprová-lo. Isa.
45:7; Rom. 11:32-34; At. 4:27-28; Sal. 76:10; II Reis 19:28; At.14:16; Gen.
50:20; Isa. 10:12; I João 2:16; Sal. 50:21; Tiago 1:17.”
Sobre isso Louis Berkhof diz:
“outras coisas que Deus inclui no Seu decreto e
pelo qual tonou certas, mas que não decidiu efetuar pessoalmente, como os atos
pecaminosos das Suas criaturas racionais. O decreto, no que se refere a
estes atos, é geralmente denominado decreto permissivo. Este nome não implica
que o futuro destes atos não é certo para Deus, mas simplesmente que Ele
permite que aconteçam pela livre ação das Suas criaturas racionais. Deus não
assume a responsabilidade por estes atos, sejam quais forem.” (Teologia
Sistemática, p. 97).
O mesmo autor explica que nesse caso Deus
determina ‘não impedir a autodeterminação pecaminosa finita e regula o
resultado dessa autodeterminação pecaminosa’ (p. 99).
A. A. Hodge afirma: “Deve lembrar-se, contudo,
que o propósito de Deus com respeito aos atos pecaminosos dos homens e anjos
répobros, em nenhum aspecto causa o mal nem o aprova, mas apenas permite que
o agente mau o realize, e então o administra para seus próprios sapientíssimos
e santíssimos fins.” (A Confissão de Fé comentada, p. 98).
O pecado nasceu do livre-arbítrio do diabo, de Adão
e Eva. Embora Deus o tenha definido, foram os tais agentes livres, sem
influencias naturais internas, em seu exercício racional, decidiram desobedecer
a Deus, e Este, impultou neles a maldição e corrupção, prometida em Sua
sentença.
Sobre isso, a CFW diz:
“I. Nossos
primeiros pais, seduzidos pela astúcia e tentação de Satanás, pecaram, comendo
do fruto proibido. Segundo o seu sábio e santo conselho, foi Deus
servido permitir este pecado deles, havendo determinado ordená-lo para a sua
própria glória. Gen. 3:13; II Cor. 11:3; Rom. 11:32 e 5:20-21.” (Cap. 6).
“CAPÍTULO IX - DO LIVRE ARBITRIO: I. Deus
dotou a vontade do homem de tal liberdade, que ele nem é forçado para o bem ou
para o mal, nem a isso é determinado por qualquer necessidade absoluta da sua
natureza. Tiago 1:14; Deut. 30:19; João 5:40; Mat. 17:12; At.7:51; Tiago 4:7.
II. O homem, em seu estado de inocência, tinha a liberdade e o poder
de querer e fazer aquilo que é bom e agradável a Deus, mas mudavelmente, de
sorte que pudesse decair dessa liberdade e poder. Ec. 7:29; Col.
3: 10; Gen. 1:26 e 2:16-17 e 3:6. III. O homem, caindo em um estado de pecado,
perdeu totalmente todo o poder de vontade quanto a qualquer bem espiritual que
acompanhe a salvação, de sorte que um homem natural, inteiramente adverso a
esse bem e morto no pecado, é incapaz de, pelo seu pr6prio poder, converter-se
ou mesmo preparar-se para isso. Rom. 5:6 e 8:7-8; João 15:5; Rom. 3:9-10, 12,
23; Ef.2:1, 5; Col. 2:13; João 6:44, 65; I Cor. 2:14; Tito 3:3-5.”
Como ficou o mundo desde então?
“28. Quais são as punições do pecado neste mundo?
As punições do pecado neste mundo são: ou interiores, como cegueira do
entendimento, sentimentos depravados, fortes ilusões, dureza de coração,
remorso na consciência e afetos baixos; ou exteriores como a maldição de Deus
sobre as criaturas por nossa causa e todos os outros males que caem
sobre nós em nossos corpos, nossos bens, relações e empregos -
juntamente com a morte. Ef. 4:18; Rom, 1:28; 11 Tess. 2:11; Rom. 2:5; Isa.
33:14; Rom. 1:26; Gen. 3:17; Deut. 28:15; Rom. 6:21, 23.” (Catecismo Maior de
Westminster).
Não é possível saber o por quê, o ilustre Ivan
Saraiva, omitiu o pensamento calvinista confessional em sua palestra.
3.
Ensina a salvação por uma decisão humana
O
vídeo termina com o chamado a uma “decisão” que definirá o destino eterno da
pessoa. No final, o ponto decisivo não é a obra de Deus, pois esse predestinou
a todos, nem a obra de Cristo, pois esse morreu por todos, mas a obra humana de
determinar seu destino e de confirmar esse destino dia a dia permanecendo nele.
Ivan Saraiva faz o destino final das pessoas depender totalmente de uma
“decisão” humana. Se uma pessoa pode decidir não resistir à graça e se é essa
obra de não resistir à graça que ultimamente definirá seu destino final, a salvação não é pela graça Soberana dada e
assegurada, mas por uma decisão.
A
Escritura, por outro lado, fala de “eleitos”. Se Deus escolhesse a todos, na
verdade ele não teria feito escolha alguma, pois “escolher” implica selecionar
alguns dentre o todo (Ef 1; Rm 9). A Bíblia fala não só de vasos de
misericórdia predestinados para a salvação, como também de vasos de ira
preparados para a perdição. Há na Bíblia, eleitos e réprobos, ovelhas e
cabritos, piedosos e ímpios. Nem todos são eleitos de Deus.
Além
disso, a Palavra de Deus diz que a morte de Cristo perdoa efetivamente os
pecados, o que significa que ela traz eficaz redenção (Is 53). Se isso é assim,
nosso Senhor garante a salvação de todos aqueles por quem Ele morreu, e,
portanto, temos que concluir que Jesus não morreu pelos que vão se perder (Jo
10).
No
fim, não se pode pensar em um coração regenerado que possa resistir à graça.
Seria como esperar que um sedento em meio ao deserto recusasse a oferta de um
copo de água. Desse modo, se admitimos o ensino da Escritura sobre a salvação,
temos de assumir que a graça salvífica é, em última instância, irresistível.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como
pudemos ver, Ivan Saraiva não sabe muita coisa sobre o que Calvinismo realmente
ensina. Ele confunde a doutrina
agostiniana com fatalismo, propõe um conceito herético de livre-arbítrio e faz
toda a salvação depender de uma obra humana. A doutrina reformada, por outro
lado, afirma a soberania de Deus na salvação, sem precisar negar com isso a liberdade humana conforme definida
biblicamente.