sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

COSMOVISÕES parte 4 (segundo teste)


TESTE DA ABRANGÊNCIA                                                Por: Lucio A. de Oliveira


Outro teste que é feito entre cosmovisões é quem explica melhor e mais os fatos. Nash se expressa muito bem quando diz: “Cosmovisões deveriam ser relevantes em termos do que sabemos sobre o mundo e sobre nós mesmos” (NASH, 2008, p.27). Sire esclarece a tarefa desse teste: “Uma [...] característica para uma cosmovisão adequada é que ela deve ser capaz de abranger as informações da realidade – dados de todos os tipos... [...]. Todas essas informações devem ser cuidadosamente avaliadas, primeiramente em seu nível mais inferior (Isso é verídico? É ilusório?). No entanto, se os dados passarem pelo teste, devemos ser capazes de incorporá-los em nossa cosmovisão” (SIRE, 2009, p.307).
As cosmovisões que não explicam ou negam fatos que conhecemos (pelo menos aparentemente)  caem em descrédito. Outra vez as palavras de Nash são pertinentes: “Uma pessoa age apropriadamente quanto objeta à reivindicação de uma cosmovisão que conflita com aquilo que sabemos ser verdadeiro acerca do universo físico” (NASH, 2008, p.27); e Sire arremata a questão: “Visto que nossa cosmovisão nega ou falha em compreender as informações, ela é falsa ou, pelo menos, inadequada” (SIRE, 2009, p.308).
Podemos pensar em alguns exemplos. Uma cosmovisão que inibe a ciência, nega tudo como se fosse uma ilusão e portanto não é digna de ponderação; ou uma cosmovisão que afirma que o espaço sideral não existe (um exemplo grotesco, cômico, mas não impossível) certamente falham no teste da abrangência, pois  a “cosmovisão deveria nos ajudar a entender o que percebemos” (NASH, 2008, p. 28);
Mas isso não só diz respeito às coisas que percebemos no mundo externo (logicamente, não estamos defendendo a existência de dois mundos distintos, o externo e o interno). “Nenhuma cosmovisão merece respeito quando ignora suas inconsistências em relação à experiência humana” (NASH, 2008, p. 28); e “Cosmovisões precisam também ser ajustadas ao que conhecemos a nosso próprio respeito” (NASH, 2008, p. 28).
Nash elabora uma lista de questões quanto à isso:

Exemplos desse tipo de informação incluem os seguintes: sou um ser que pensa, tem esperança, experimenta prazer e dor, crê e deseja. Sou também um ser que geralmente tem consciência do que é moralmente certo e errado, e que se sente culpado e pecador quando falha em fazer o que é certo. Sou um ser que lembra o passado, que é cônscio do presente e que antecipa o futuro. Posso pensa rem coisas que não existem. Posso planejar e executar meus planos. Sou capazes de agir intencionalmente, em vez de só responder a meros estímulos; posso ter vontade e posso executar minha vontade. Sou uma pessoa que ama outros seres humanos. Posso simpatizar com outros e compartilhar suas dores e alegrias. Sei que morrerei um dia e tenho fé em que sobreviverei à morte do meu corpo” (NASH, 2008, p. 28-29).

Uma cosmovisão tem de lidar com esses dados, ou então não são dignas de crédito. O pensador Chesterton nos mostrará uma analogia como uma cosmovisão não abrangente se assemelha à demência.
Primeiro ele faz as chocantes afirmações de que “A explicação oferecida por um louco é sempre exaustiva e muitas vezes, num sentido puramente racional, é satisfatória” (CHESTERTON, 2008, p.34); e que  “...a explicação insana é exatamente tão completa como a do sensato, mas não tão abrangente” (CHESTERTON, 2008, p.35).
Podemos observar que Chesterton está dizendo que o teste da razão não os inibe, nem os contradiz. Então ele observa que a cosmovisão do louco não é tão abrangente quanto a do sensato. Exatamente o ponto que estamos trabalhando aqui.
Chesterton elucida:

Se um homem disser, por exemplo, que os homens estão conspirando contra ele, você não pode discutir esse ponto, a não ser dizendo que todos os homens negam que são conspiradores; o que é exatamente o que os conspiradores fariam. A explicação dele dá conta dos fatos tanto quanto a sua (CHESTERTON, 2008, p.34).

Assim, Chesterton conclui: “A teoria do lunático explica muitas coisas, mas não as explica de um modo amplo” (CHESTERTON, 2008, p.35).
Este pensador, então, observa que ao lidarmos com o lunático devemos mostrar que as cosmovisão nossa é mais abrangente que a dele. O argumento poderia ser assim: “Admito que sua explicação esclarece muitos fatos; mas quantos outros ficam de fora! Não há no mundo outras histórias além da sua? Todos os homens estão ocupados com a sua ocupação?” (CHESTERTON, 2008, p.36).
Outra citação ajuda a reforçar a idéia que, mesmo o teste da razão não conseguindo julgar entre duas cosmovisões, o teste da abrangência o faz:

 Um homem não consegue sair do mal mental só por meio de seu pensamento; pois é exatamente o órgão do pensamento que se tornou doentio, ingovernável e, por assim dizer, independente. Ele só pode ser salvo pela vontade ou a fé. No momento em que a mera razão entra em movimento, ela se move no velho sulco circular, ele dará voltas e mais voltas em seu círculo lógico (CHESTERTON, 2008, p.38).

Parece que Chesterton está dizendo que o lunático deveria mudar seus pressupostos, mudar de cosmovisão.
É interessante notar que cosmovisões que advogam irrealidade ao mundo externo (além do problema com o solipsismo) são extremamente repulsivas e inaceitáveis. Mais uma vez (e finalmente) Chesterton elucida:

 “Em nome da simplicidade, é mais fácil afirmar essa ideia dizendo que o homem pode acreditar que está sempre num sonho. Ora, obviamente não pode haver nenhuma prova positiva de que ele não está num sonho, pela simples razão de que não se pode apresentar nenhuma prova que não se pudesses igualmente apresentar num sonho [...] Mas se o homem começasse a incendiar Londres e a dizer que a sua governanta logo o acordaria para tomar o café da manhã, nós deveríamos prendê-lo e coloca-lo com outros lógicos naquele lugar ao qual aludimos várias vezes no decorrer deste capítulo [um manicômio]” (CHESTERTON, 2008, p.46).

Assim, concluímos que uma cosmovisão deve ser não só razoável, consistente, como abrangente, ajudando-nos a compreender a realidade.

_____________________________
BIBLIOGRAFIA

CHESTERTON, Gilbert K. Ortodoxia. Tradução de Almiro Pisetta. São Paulo: Mundo Cristão, 2008. 264 p.

NASH, Ronald H. Questões Últimas da vida: uma introdução à filosofia. Tradução de Wadislau Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. 448 p.

SIRE, James W. O universo ao lado: um catálogo básico sobre cosmovisão. Tradução de Fernando Cristófalo. 4. Ed. São Paulo: Hagnos, 2009. 384 p.

Nenhum comentário:

Postar um comentário