A
pregação é uma ordem divina imposta aos Ministros do Evangelho (I Co 9.16; Tm
4.1-5), e exigida a todos os crentes (I Pe 2.9,10). A Igreja proclama o
Evangelho a toda humanidade como ordem divina (Mt 28.19; Ap 22.17). E como
agente proclamadora a Igreja apresenta o Evangelho, obviamente a Eleitos e não
Eleitos. Não cabe a nenhum crente em Jesus Cristo especular quem é ou não
eleito, visto que isso não compete à Igreja. Portanto, no exercício profético
da proclamação do Evangelho de Cristo, ela apresenta a todos, sem exceção sem
distinção.
No
entanto, conquanto que da parte da Igreja o Evangelho é sinceramente oferecido
a todas as pessoas, mas e da parte de Deus, Ele oferece o Evangelho
Livre e Sinceramente a todas as pessoas, mesmo aos que não são eleitos? Ou
no caso dos não eleitos, Deus apenas envia o Evangelho para tornar a situação
pior e condená-las? Questionamentos como esses, não só produzidos por
Arminianos, mas também por Hipercalvinistas, ocupam a reflexão teológica.
Cunhou-se a seguinte expressão – A Livre Oferta do Evangelho, ou a
equivalente A Sincera Oferta do Evangelho para esposar a concepção de que a
resposta é positiva para a primeira pergunta acima.
O
nome mais emblemático na objeção e rejeição a Livre Oferta do Evangelho no
contexto Reformado/Calvinista na história recente, é do pastor reformado Herman
Hoeksema, da Igreja Protestante Reformada, bem como o do Teólogo e Filósofo
Reformado Gordon Clark. Sobre H. Hoekesema, o renomado teólogo reformado Antony
Hoekema afirma:
Sobre essa questão tem havido e
ainda há diferença de opiniões entre os teólogos reformados'. Restringindo-me à
fase americana dessa controvérsia, observo que falecido Herman Hoeksema e a
Igreja Protestante Reformada nos Estados Unidos e no Canadá, da qual era
fundador, ensina que Deus não deseja sinceramente a salvação de todos aos quais
o evangelho é pregado [...] Para que entendamos essa controvérsia, precisamos
primeiro olhar a posição de Herman Hoeksema sobre esse ponto. Segundo Hoeksema,
o convite do evangelho jamais é uma oferta. Se fosse numa oferta, implicaria
que todos aos quais o evangelho chega seriam capazes de aceitá-la pelas próprias
forças. Isso não é verdade. Só aos eleitos (aqueles que Deus escolheu desde a
eternidade para a salvação) é dada a capacidade de aceitar o convite do
evangelho. Essa vocação do evangelho não é uma oferta universal da graça e
salvação, mas, sim, é um odor da vida para a vida e um odor da morte para a
morte, cm concordância com o expresso propósito de Deus. Precisa ser lembrado
que a teologia de Hoeksema é dominada pela causalidade do duplo decreto de
eleição e reprovação. Ele argumenta que e impossível manter os decretos da
eleição e da reprovação e ainda falar de boa intenção na oferta do evangelho a
todos aos quais ele é pregado. Falar dc tal oferta implica que Deus deseja que
todos os que escutam o evangelho sejam salvos e que, portanto, ele tem uma
atitude favorável para com eles. Mas se isso é certo, argüi Hoeksema, como
explicar passagens da Escritura que ensinam que Deus endurece o coração de
algumas pessoas que ouvem o evangelho? Como pode Deus ter uma atitude favorável
para com o reprovado? De fato, esse autor diz, Deus jamais garante ao réprobo
qualquer sinal de sua graça. Tudo o que Deus faz para ou pelo reprovado nesta
vida é deliberadamente planejado para prepará-lo para a condenação final.
Hoeksema vê também uma inconsistência entre o ensino da boa intenção da oferta
do evangelho e a doutrina da expiação limitada’ . “Eles o povo que aceita a boa
intenção da oferta professam crer que a expiação é limitada, e que Cristo
morreu só pelos eleitos; ainda assim, por outro lado, também insistem que Deus
sinceramente tem boa intenção na oferta da salvação a todos os homens”.
Hoeksema não pensa que seja possível harmonizar essas duas doutrinas; elas
simplesmente contradizem uma a outra. Para Hoeksema, a doutrina da eleição e
reprovação toma impossível falar de evangel0 que é, então? Consiste em uma
proclamação universal e uma promessa jungida a uma promessa particular. Essa
proclamação inclui um número de declarações concernentes à verdade revelada no
evangelho. E a declaração da vontade de que Deus salva seus eleitos por meio da
fé, e que ele condenará os reprovados que se recusam a aceitar o evangelho.
Segundo Hoeksema. a promessa do evangelho não vem a qualquer que a escute; vem
só para o eleito. Essa promessa não é jamais universal, mas sempre particular.
Pregar jamais é graça para 0 réprobo. Pregar em si mesmo não é bênção ou
maldição. É uma apresentação neutra que sempre se torna em maldição para o
reprovado e em bênção para o eleito. Resumindo, segundo Hoeksema, Deus não
deseja a salvação de todos aos quais o evangelho é anunciado; ele deseja a
salvação apenas dos eleitos. Assim, não podemos dizer que o evangelho é
oferecido com boa intenção para todos que o ouvem. (Salvos pela Graça, p.
77-85)
No
Brasil há pastores presbiterianos (da IPB) que defendem essa postura de
rejeição à concepção de Livre Oferta do Evangelho, como aparece já traduzido em
português um manual doutrinário de Herman Hoeksema e Herman Hanko, com algumas
objeções à Livre Oferta do Evangelho escrito por um pastor brasileiro em um
apêndice da referida obra:
Atualmente há calvinistas que
harmonizam as doutrinas da eleição e da livre oferta do evangelho. Anthony A.
Hoekema que adota esta doutrina a define como sendo “Deus séria e honestamente
deseja a salvação de todos aos quais chega o evangelho, incluindo aqueles que
não pertencem aos seus eleitos. ” Este é o ponto de discordância: o amor de
Deus é universal fazendo com que Ele deseje a salvação de todos, inclusive dos
réprobos; ou, Ele ama somente os eleitos, e somente nestes manifestará o seu
amor redentivo concedendo-lhes a fé para crerem em Cristo? De igual modo a
Hoekema, o conhecido teólogo John Murray declarou que “há em Deus uma
benevolente amabilidade pelo arrependimento e salvação daqueles que Ele não
decretou salvar. Este beneplácito, vontade, desejo é expresso no chamado
universal para o arrependimento [...]. A plena e livre oferta do evangelho é
uma graça entregue a todos. Tal graça é necessariamente uma manifestação de
amor ou amabilidade no coração de Deus, e esta amabilidade é revelada para ser
caráter ou gênero que corresponde a graça entregue. A graça oferecida não é
menos do que a salvação em sua riqueza e plenitude. O amor ou amabilidade que
repousa desta oferta não é menos; ela é a vontade para a salvação. Em outras
palavras, é Cristo em toda a glória de sua Pessoa e na perfeição de sua
completa obra a quem Deus oferece no evangelho. O amor e a vontade benevolente
que é a fonte daquela oferta, e o que fundamenta a sua veracidade e realidade é
a vontade para possessão de Cristo e a alegria da salvação que reside nele.”
Algumas perguntas carecem respostas diante das declarações de Hoekema e Murray.
Deus ama somente os eleitos e realizará eficazmente a sua salvação, ou, Ele ama
toda a humanidade e deseja ineficientemente a salvação de todos? O amor
salvador de Deus anseia alcançar igualmente os eleitos e réprobos? A vontade
eletiva de Deus entra em contradição real com os seus atributos de amor e
justiça quanto aos objetos da redenção definida? (Doutrinas Reformadas Essenciais,
2015, p. 87,88).
De
fato, o mesmo autor em outro apêndice do mesmo manual chega a afirmar o que é
comum em todos os que negam a Livre Oferta do Evangelho, que não há presente em
Deus nenhuma disposição, em qualquer nível e faceta, de salvar todos os que
ouvem:
Creio que devemos pregar o
evangelho a todas as pessoas. Somos responsáveis por chamá-los ao genuíno
arrependimento dos seus pecados e a confiarem no perfeito perdão de Cristo. No entanto, não creio que na evangelização
se deve dizer que Deus tem sinceramente a intenção de salvar a todos [...]
Não recorro a paradoxos lógicos nem ao que alguns chamam de antinomia para
explicar o dever de pregar o evangelho a todos os homens. Não faço apelos em
meus sermões, nem na prática de evangelização pessoal. Não digo, por consciência, que Deus ama indistintamente a todos a ponto
de sinceramente ter a intenção de salvá-los. (Doutrinas Reformadas
Essenciais, 2015, p. 79,80 [negrito acrescentado]).
Sobre
esse assunto que tratarei nessa série de postagens, e darei respostas a esses
questionamentos, e a outros. Vamos explorar a base Bíblica, a base Dogmática, e
por fim, na vida Prática. Como essa pesquisa já foi feita, posso adiantar que
os ilustres teólogos e pastores reformados (a quem muito respeito e admiro),
que negam a Livre Oferta do Evangelho, estão
fora de sintonia com a Palavra e Deus, com a tradição confessional, teológica e
histórica calvinista como um todo, bem perdendo um elemento motivacional na
evangelização. Por essa falta de sintonia com elementos bíblicos,
confessionais e históricos com a fé reformada, podemos continuar mantendo que
quem nega a Livre Oferta do Evangelho é um hipercalvinista.