segunda-feira, 3 de junho de 2013

I João 5.7


Por Marcelo Lemos

"Imagine que, durante uma pregação ou aula, você peça que a congregação leiaI João 5.7, onde você lê: “Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um!”. Nem bem você termina a leitura, e alguém levanta a mão: “Ei, pastor, não tem nada disso na minha Bíblia”. De fato, na maioria das traduções modernas a maior parte do conteúdo deste versículo foi completamente extirpada. Qual a razão disso!!

Há, ao menos, duas respostas a esta questão. Alguns afirmam que trata-se de uma conspiração diabólica, cuja intenção é minar as bases bíblicas para a Doutrina da Trindade; o outro lado afirma que suas razões baseiam-se em fatos científicos, que comprovariam que este versículo não consta na maioria dos manuscritos gregos. Não são as únicas explicações, são as mais comuns. Uma outra resposta, menos conhecida do grande publico, foi proposta por Edwards Freer Hills. Segundo o Dr. Hills, I João 5.7 não foi um “parentese” acrescentado, mas sim, suprimido pela Igreja Grega quando da disputa contra os sabelianos (modalistas). Isso explicaria a razão dos textos gregos suprimirem tais palavras, enquanto que nas versões latinas o texto é melhor atestado.

Explicando o “parentese joanino”, ou, A evidencia contraria...

Tendo em vista que a maior parte das traduções bíblicas utilizadas pelas Igrejas herdeiras da Reforma terem se baseado no famoso Texto Receptus, que fora compilado pelo católico Erasmus, poucas pessoas identificavam qualquer problema em I João 5.7, apesar do próprio Erasmus só ter incluído as palavras em disputa hoje, após ter sido duramente criticado – em sua compilação original não havia as palavras hoje em disputa, o que ele justificou alegando não ter encontrado nenhum manuscrito que o contivesse. Devido as críticas, prometeu que se alguém lhe mostrasse pelo menos um manuscrito com aquelas palavras, as incluiria nas versões futuras; e assim aconteceu.

A primeira edição do Textus Receptus (1516), e também a segunda (1519), não continham o disputado “Comma Johanneum”. Ele seria incluído, porém, nas edições futuras, na quarta (1522), na quinta (1527), e na sexta (1535). O texto também não aparece em nenhuma versão do Texto Majoritário, nem na tradução alemã feita por Lutero (1522), que foi baseada na segunda edição do texto de Eramus, que fora publicado em 1519.

O texto porém faz parte de outras versões igualmente famosas, a começar pela Vulgata Latina, de Jeronimo (380-400 d.C.); nas edições posteriores do Textus Receptus editadas por Stephens (1546, 1550, e 1551), também no editado por Beza (1598), por Elzevir (1624 e 1633), e no editado por Scrivener (1894). Todas as versões bíblicas traduzidas a partir destes textos, incluem o “Parentese Joanino”, o que inclui a famosíssima Kinga James Version, utilizada quase universalmente por todas as Igrejas herdeiras da Reforma, e outras traduções igualmente dignas, como a João Ferreira de Almeida (português), e a Reina-Valera (espanhol), dentre outras.

A favor do “Parentese Joanino”.

Seus próprios defensores admitem haver muito pouco de evidencia textual para sustentá-lo. Os manuscritos que trazem o “Parentese” são entre quatro ou oito, dependendo da metodologia, haja vista que dentre eles, há manuscritos que trazem o parêntese anotado na margem, e não no corpo da carta. São evidencias muito fracas.

A tese já citada do Dr. Hills nos parece a mais interessante numa empreitada pela defesa do “Parentese”, e, além disso, nos mostra o quanto ainda não conhecemos sobre os primórdios da Igreja – o que certamente nos freia o impulso de simplesmente ir cortando isso ou aquilo do texto sagrado. No entanto, a tese de Hills não soluciona a falta de evidencia textual. Mas, trata-se de campo a ser investigado. Honestamente, não sei dizer se alguém já comprovou ou refutou a referida tese.

Com evidencia textual tão fraca, o melhor argumento dos defensores do “Parentese” apela para a evidencia interna da Carta de João. Alegam, e acertamente, que a exclusão do “Parentese” cria um certa incongruência na gramatica do texto. Isso, até onde vejo, é verdade. É, alias, o argumento que me faz ter cautela, e continuar usando o 'parêntese' sem nenhuma dor na consciência, até que explicação plausível para este problema gramatical chegue ao meu conhecimento.

Algumas considerações finais.

Como vimos, até mesmo os maiores defensores da autenticidade do parêntese Joanino, admitem que o versículo possui pouca sustentação, no entanto, se apegam a argumentos razoáveis na defesa de sua autenticidade, especialmente a coerência gramatical interna. Nos parece certo que as provasexternas – ou seja, manuscritos - mais contundentes apontam contra a autenticidade da mesma. Eu gostaria, então, de concluir este pequeno artigo compartilhando da opinião de A.A. Hodge, grande teólogo reformado:

“a) Entre os homens ilustrados e piedosos há diferença de opiniões quanto à preponderancia das evidencias; as mais abalizadas inclinam-se contra a genuinidade da cláusula.

b) A doutrina ensinada nessa passagem é tão bíblica, e é tão íntima a conexão gramatical e lógica da cláusula com o contexto, que, para edificação, e no estado atual do nosso conhecimento, devemos retê-la, mas não devemos citá-la para estabelecer doutrina.

c) A rejeição dessa passagem de modo algum diminui a força irresistível das provas fornecidas pelas Escrituras a favor da doutrina ortodoxa sobre a Trindade” (HODGE. A.A.Esboços de Teologia Sistemática; pg. 238).

Em outras palavras, não vejo quem rejeita o “Parentese Joanino” como membro de uma conspiração diabólica contra a Doutrina da Trindade. Acredito que se o texto foi originalmente interpolado, se deu para a defesa da mesma, e caso tenha sido originalmente extirpado, se deu pelo menos motivo, mas num contexto diferente. Garanto aos irmãos que posso, sem nenhum problema, esmagar todos os argumentos contra a Trindade usando uma versão bíblica que não contenha o 'Parêntese', risos.

Minha opção pessoal, para deixar claro, é pela manutenção do 'parêntese', não devido a evidencia textual, pois esta é contrariamente esmagadora, mas pela questão gramatical envolvida. Entretanto, admito que quem rejeita o texto, tem motivos tão bons quanto os meus, e talvez até maiores.


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