Um aspecto notório nos escritos cristãos desde os tempos primitivos até o século 19, talvez, é a ausência de uma teologia clara sobre o que a igreja pensa sobre o Espírito Santo. Até o Credo Niceno-Constantinopla (381 aD) não faz referência exaustiva sobre essa Pessoa Divina. Antes no Credo Apostólico apresenta a curta citação: “Creio no Espírito Santo”. Nada mais. Talvez essa omissão anterior da manifestação teológica ortodoxa sobre o Espírito Santo, intimidou os cristãos posteriores a se posicionarem.
João Calvino, um dos teólogos mais conhecidos da história da igreja, é provavelmente o que mais tratou da obra do Espírito Santo, até então. Mesmo que não tivesse um livro especifico sobre Ele. Em suas Institutas nota-se distribuído em suas paginas referências diretas sobre o tema. Interrompendo esse longo tempo de 'silêncio' teológico.
A BÍBLIA E O ESPÍRITO SANTO
A leitura dos capítulos 6 a 9 das Institutas, observa-se que Calvino não excluí a Palavra de Deus do Espírito Santo e de Suas atuações.
“Assim a Escritura, coletando-nos na mente conhecimento de Deus de outra sorte confuso, dissipada a escuridão, mostra-nos em diáfana clareza o Deus verdadeiro.” Inst.VI.1
As palavras acima estão intimamente relacionadas com aquilo que dizemos sobre o Espírito Santo. A Palavra de Deus é instrumento do Espírito e produto do mesmo. Nesse mesmo capítulo ele diz “...que Deus, o Opífice do Universo, se nos faz patente na Escritura e [o] que se deve dEle pensar [nela] se expõe, para que não busquemos por ambíguas devesas alguma incerta Deidade.” Pensar assim das Escrituras apenas atesta a convicção do reformador que A Palavra de Deus é instrumento vivo do Espírito Santo. Numa época onde ouvimos constantes apelos ao subjetivismo, sentimentos místicos. Tal afirmação de Calvino coloca os olhos nas Escrituras. O Espírito fala ali. Para Calvino A Palavra de Deus é como 'um fio em um labirinto para conhecermos a Deus'. Inst. VI.3.
Essas palavras eram relevantes, especialmente em uma época em que a autoridade da Escritura não era reconhecida à parte da autoridade da Igreja Católica Romana. Calvino é incisivo sobre isso quando chama de “o erro perniciosíssimo de que [apenas] tanto valor assiste á Escritura quanto lhe é concedido pelos alvitres da Igreja.” Além de dizer que isso é 'um grande escárnio ao Espírito Santo'. Inst.VII.1. Calvino mostra que Agostinho não deve ser invocado para apoiar esse erro. Inst. VII. 3.
O que deve ser buscado pelos cristãos não é uma simples satisfação de consciência, além que essa ser vacilante, mas é segundo Calvino, 'o íntimo testemunho do Espírito' ( Inst. VII. 4 ). Isso não é em nada desassociado do seu conceito anterior de conhecimento da Palavra de Deus como sendo algo necessário. Antes é a evidência para intima conexão entre Espírito e Palavra feito por Calvino. Ele diz “...na Escritura se vêem manifestos sinais de Deus [nela] a falar, dos quais se patenteia que a doutrina aí contida é de teor celestial.” (Inst VII. 4). 'O testemunho do Espírito Santo é superior a toda razão' ( Inst. VII.4).
Nas seguintes palavras, João Calvino coloca claramente aquilo que a doutrina reformada posterior desenvolveria com destreza, especialmente na Confissão de Fé de Westminster que a bem dizer, reproduziu quase que literalmente a explicação de Calvino. De fato, essas palavras devem receber atenção.
“Ora, assim como só Deus é idônea testemunha de Si [Mesmo] em Sua Palavra, também assim a Palavra não logrará fé nos corações humanos antes que seja [neles] seladas pelo testemunho interior do Espírito. Portanto, é necessário que penetre em nosso coração o mesmo Espírito que falou pela boca dos Profetas, para que [nos] persuada de que [ele] hão proclamado fielmente [o] que [lhes] fora divinamente ordenado.” ( Inst. VII.4).
Por ser a Escritura inspirada pelo Espírito Santo, não significa que todos a receberam com fé e submissão. Antes, isso é outra obra que o Espírito faz com Sua Palavra nos corações de quem Ele quer. A teologia Reformada fiel a esse pressuposto tem em suas bases e doutrina da Vocação Eficaz.
Trabalhar com evidências a favor da Escrituras é contrário ao pensamento de Calvino. Esse é um assunto acirrado entre os apologistas atuais. Pressuposicionalistas ou Evidencialistas tem a melhor defesa? Embora Calvino tenha sido um apologista ele usou sempre a autoridade assumida das Escrituras, desta forma ele é pressuposicionalista ( Inst. VII.5).
Mas o acima reconhecido não deve ser interpretado como que ‘não existe provas’. Para Calvino existe provas, mas o que ele não faz é usá-la como base para o convencimento. Uma das evidências é a superioridade da sabedoria contida nas Escrituras diante da sabedoria humana ( Inst. VIII.1). Os conselhos refletem a inspiração divina, ou seja, a atuação do Espírito Santo sobre a formação da Escritura. A beleza de certas porções e antiguidade da Bíblia. A fidelidade dos autores e a evidência sobrenatural dos milagres contidos na Escrituras (ainda que isso não prove nada por si mesmo, antes que o registro seja mostrado fidedigno e sobrenatural). Diante de todas as provas ele concluí que tais “...não se revestem de suficiente valia para prover-lhe segura credibilidade, até que o Pai Celestial, nela manifesta Sua divinal majestade [...] quando a certeza lhe haja sido fundada na convicção interior do Espírito Santo.” ( Inst. VIII. 13).
ESPÍRITO SEM A BÍBLIA?
Um perigo antigo, e muito mais agora, é a busca do Espírito Santo dissociada da busca da Escritura. Não que o Espírito de alguma forma teria dificuldade com isso, muito menos que isso em si mesmo seria prejudicial. Mas Ele tem trabalhodo dentro dos limites que Ele mesmo colocou, ou seja, Iluminando as Escritura. Quando Cristo disse que o Espírito convenceria ‘do pecado do juízo’, isso está claro que seria por meio do produto do mesmo Espírito Santo, onde Lei de Deus mostra o pecado e revela sua justa ira. Ou seja: A Bíblia (Jo 17.17).
Calvino diz que essas pessoas agindo assim, colocam de lado 'o magistério do Espírito' e fazem pouco da leitura da Bíblia. O reformador pergunta: “Gostaria de saber que tal é esse Espírito de cuja inspiração se transportam a alturas tão sublimadas que ousem desprezar como pueril e rasteiro o ensino da Escritura?” ( Inst.IX.1).
Arrisco-me em dizer, mas para Calvino Espírito Santo e Escritura são sinônimos! A Bíblia é a boca do Espírito Santo.
Ele coloca de maneira clara que a função do Espírito é selar as promessas do evangelho em nós e não conduzir-nos para novas doutrinas ( Inst. IX.1 ).
Calvino, em um jogo de palavras bem articuladas e raciocínio aguçado, mostra que em nada adianta dizerem que as novas revelações do Espírito são examinadas á luz das Escrituras, pois estariam submetendo o Espírito a Sí mesmo. O Espírito Santo fala com autoridade sobrepujante nas Escrituras ( Inst. IX.2). Uma comparação com o pensamento de Calvino agora será interessante. Se para ele, só é possível entender e receber a Bíblia sob a iluminação do Espírito Santo, então é necessário um ativo trabalho do Espírito ainda hoje, e até o fim, sobre os homens (O que a CFW também diz).
CONCLUSÃO
Para João Calvino, 'sem' o Espírito os homens até sabem que a Bíblia é a Palavra de Deus, porém não resulta em nada tal conhecimento se o autor divino não aplicar tal conhecimento na alma do homem ( Inst. IX.3).
João Calvino é o teólogo que menos acumula erros em sua doutrina (se é que teve alguma e não seria nós os enganados...). Exatamente por esse motivo. Ele olhava para a Bíblia como a doce e autoritária voz do Espírito Santo. E a tratava com reverência e delicadeza.
Que os herdeiros da fé Reformada, e todos os cristãos, prestem detida atenção em como estão olhando para a Palavra escrita de Deus. Um modo inspirado de nos orientar nisso seria ler o Salmo 119. Esse Salmo sem dúvida alguma, superior ao que Calvino, CFW e qualquer outro tenha escrito, mostra a beleza e magnitude da Palavra do Senhor.
Graça e paz do SENHOR aos irmãos do blog...
ResponderExcluir"Tenho visto que toda perfeição tem o seu limite; mas, o teu mandamento, é ilimitado" (Salmo: 119.96)
Que seja este o nosso sentimento em relação a Palavra inspirada de Deus!
"Admiráveis são os teus testemunhos, por isso a minha alma os observa" (Salmo 119.129)
ResponderExcluir"Uma das evidências [para o irmão Calvino] é a superioridade da sabedoria contida nas Escrituras diante da sabedoria humana ( Inst. VIII.1)"
Assim como o salmista, irmão Calvino também entendeu a magnitude destes Escritos!
Graça e paz do SENHOR aos irmãos do blog...
ResponderExcluirFaz mais de 100 dias que eu aguardo a continuação do "Espiritismo, uma avaliação", e... NADA!!! Este blog já está ficando bagunçado viu... tá parecendo o MAB (rsrsrs)!
Quando será que verei a continuação desta postagem?