Entendemos que os artigos anteriores (esta série) foram suficientes para exemplificar que a teorização está calcada em pressuposições. A proposta pressuposicionalista ainda precisa de alguns esclarecimentos. Portanto, dessa vez, estaremos esclarecendo o significado do termo 'cosmovisão'. O termo facilatará vários tipos de discussões, além da discussão pressuposicionalista. Por isso, é mister que os apologistas conheçam bem o conceito, e façam bom proveito.
O QUE É UMA COSMOVISÃO?
Cheung, um apologista pressuposicionalista (clarkiano) reivindica estar de posse de uma apologética capaz de defender toda uma cosmovisão bíblica. Várias vezes ele reivindica que “o cristianismo é a única cosmovisão verdadeira” (CHEUNG, 2009,p.44). Mas não podemos começar nosso estudo sem esclarecer o que, exatamente, significa o termo.
Aqui, podemos recorrer a vários autores para buscar uma definição mais precisa.
Cheung define assim:
“Uma cosmovisão consiste de uma rede de proposições inter-relacionadas, cuja soma representa ‘uma concepção ou percepção abrangente do mundo’. Ela pode ser chamada de ‘religião’ ou ‘filosofia’ em virtude do seu conteúdo específico, mas constitui, entretanto, uma cosmovisão. Assim, por cosmovisão nos referimos a qualquer religião, filosofia ou sistema de pensamento” (CHEUNG, 2009, p.37-38).
Primeiro, vamos destacar a parte final da citação. Qualquer religião ou sistema filosófico é uma cosmovisão. De fato, vários autores observam a estrita relação entre o que chamamos de cosmovisão e o que outros chamam de filosofia ou sistema filosófico. “Uma cosmovisão contém as respostas de uma dada pessoa às questões principais da vida, quase todas com significante conteúdo filosófico. É a infra-estrutura conceitual, padrões ou arranjos das crenças dessa pessoa” (NASH, 2008, p.13); Cheung também afirma “O estudo dessas questões últimas corresponderá a uma introdução à filosofia.” (CHEUNG, 2009, p. 59); e por fim, Crampton e Bacon: “A cosmovisão de uma pessoa é sua filosofia. ‘Cosmovisão’ e ‘filosofia’ são quase palavras sinônimas” (CRAMPTON; BACON; 2009, p.13).
Nash fa faz a seguinte observação:
Porque muitos elementos de uma cosmovisão são filosóficos na natureza, os cristãos precisam se tornar mais conscientes da importância da filosofia. Embora a filosofia e a religião [isto é, teologia] com frequência usem linguagem diferente e frequentemente [de maneira errônea] cheguem a conclusões diferentes, elas tratam com as mesmas questões, as quais incluem questões sobre o que existe (metafísica), como os humanos devem viver (ética), e como os seres humanos conhecem (epistemologia)... (NASH apud CRAMPTON; BACON; 2009, p.16).
Aqui, já entramos no quesito de quais ‘proposições inter-relacionadas’ Cheung se refere. A resposta a algumas questões particulares, dadas tento pelas religiões quanto pelas diversas (toda e qualquer) filosofias, são essas proposições. São as questões últimas, termo que já nos deparamos nas citações anteriores. É por esse caminho que encontramos definições de cosmovisões como as de Crampton e Bacon: “...uma cosmovisão ou filosofia é uma série de crenças concernentes às questões mais importantes da vida” (CRAMPTON; BACON; 2009, p.31); e de Nash: “A soma total das respostas de uma pessoa sobre as mais importantes questões sobre a vida” (NASH, 2008, p.426).
Embora uma citação acima tenha sugerido alguns elementos sobre quais são as questões últimas, precisamos dar uma palavra sobre isso. Na verdade, em nossas pesquisas não encontramos um consenso geral entre quais, exatamente, são as questões últimas.
Crampton e Bacon sugerem: “qualquer cosmovisão bem modelada deve ser capaz de tratar adequadamente com os elementos ou princípios mais básicos da filosofia: epistemologia, metafísica, ética e política” (CRAMPTON; BACON; 2009, p.31); Nash (que elabora uma lista de questões para cada tópico):
Cosmovisões contêm pelo menos cinco conjuntos de crenças, isto é, crenas sobre Deus, metafísica (realidade última), epistemologia (conhecimento, ética e antropologia [...] essas cinco [crenças] geralmente definem as difreneças mais importantes entre sistemas conceituais concorrentes (NASH, 2008, p.15);
Vejam que Cheung segue Nash: “Entre outras coisas, as questões últimas incluem metafísica, epistemologia, teologia, antropologia e ética [Cheung deixa claro, em nota, que seguiu Nash]” (CHEUNG, 2009, p. 59), porém, quando vai expor as questões últimas, ele o faz apresentando o Logos joanino como a realidade primordial e em seguida disserta sobre metafísica, epistemologia, ética, e soteriologia (diferindo-se de Nash). Não podemos deixar de mencionar o mui versado no assunto, James W. Sire, que elabora sete questões que, segundo ele, mapeiam a estrutura das cosmovisões:
O que é a realidade primordial, qual seja, o que é realmente verdadeiro? [...] Qual a natureza da realidade externa, isto é, o mundo que nos rodeia? [...] O que o ser humano é? [...] O que acontece com uma pessoa quando ela morre? [...] Porque é possível conhecer alguma coisa? [...] Como sabemos o que é certo e errado? [...] Qual o significado da história humana [Ronald Nash também sugere que esse é um tópico importante, e, em nota, escreve: “Uma área importante do conhecimento humano que poderia ser acrescentada à nossa lista é a história” (NASH, 2008,p. 15)]? (SIRE, 2009, p.19-21).
Mesmo com essas divergências, podemos notar um denominador comum entre os estudiosos. Podemos observar que todos entendem que o pensamento sobre a realidade primordial é essencial no estudo de cosmovisão; bem como questões sobre metafísica (aqui podemos pensar sobre a questão do propósito do universo e incluir o tópico da história propostos por Nash e Sire); sobre epistemologia; sobre ética (presumimos que o item ‘Política’ de Crampton e Bacon possa se encaixar aqui); e, por fim, sobre antropologia (a terceira e a quarta questão de Sire incluem-se aqui).
Portanto, uma cosmovisão consiste nas respostas que damos a essas perguntas. Todos tem algo a dizer sobre uma natureza primordial. Todos têm alguma posição sobre Deus (existe? Como é? Quantos? Etc); alguma opinião sobre a realidade (monismo, dualismo, determinismo, indeterminismo); sobre epistemologia (apreendemos conhecimento pelos sentidos? os sentidos são ou não confiáveis? Racionalismo ou empirismo? É possível conhecer algo?); ética (como é que definimos o que é certo e errado? Qual o padrão? Como devemos viver?); antropologia (o homem é corpo e alma? Um símio pelado?).
Cheung ainda faz uma importante observação: a de que as proposições estão inter-relacionadas. Ele mostra como:
...nossas pressuposições últimas sobre ética determinam nossas decisões no dia-a-dia. Porém se pretendemos saber como podemos saber alguma coisa, já estamos lidando com nossas pressuposições últimas sobre o conhecimento, ou epistemologia. E visto que o conhecimento tem a ver como o que há para saber, como podemos saber e o que pode ser conhecido, já estamos tratando das nossas pressuposições últimas obre a realidade, ou metafísica. De fato, se refletirmos o suficiente nos darmos conta de que toda proposição elementar que desenvolvemos ou ação que executamos pressupõe um conjunto de princípio últimos inter-relacionados pelos quais percebemos e agimos na realidade. Trata-se da nossa cosmovisão (CHEUNG, 2009, p.58-59).
Crampton e Bacon também observam algo semelhante:
Metafísica, ética e teoria política podem ser estabelecidas somente sobre uma base epistemológica. Sem um padrão uma base para crença (epistemologia), uma pessoa não pode saber o que uma verdadeira teoria da realidade é; nem pode saber como devemos determinar o que é certo e o que é errado; nem pode saber qual é a teoria política apropriada (CRAMPTON; BACON, , p.32-33).
Porém, essa observação já abre espaço para o que vamos discutir depois (a proeminência de pressuposições epistemológicas, os axiomas). Basta, por hora, observar que as proposições estão interligadas.
continua....
BIBLIOGRAFIA
CHEUNG, Vincent. Questões Últimas. Tradução de Marcelo Herberts. Brasília: Monergismo, 2009. 143 p.
CRAMPTON, W. Gary; BACON, Richard E. Em direção a uma cosmovisão cristã. Tradução de Felipe Sabino de Araújo Neto. Brasília: Monergismo, 2009. 112 p.
NASH, Ronald H. Questões Últimas da vida: uma introdução à filosofia. Tradução de Wadislau Martins Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2008. 448 p.
SIRE, James W. O universo ao lado: um catálogo básico sobre cosmovisão. Tradução de Fernando Cristófalo. 4. Ed. São Paulo: Hagnos, 2009. 384 p.
Graça e paz do SENHOR aos irmãos do blog...
ResponderExcluirMuito boa postagem Lúcio. Parabéns... que o SENHOR JESUS o abençoe e preserve em humildade!