terça-feira, 10 de junho de 2014

Gordon Clark e Van Til: A lógica – divinizada e diabolizada

Podemos dizer que tendo em vista a definição linguística de Lógica, ela é a conclusão necessária e a base de toda proposição. Sem a lógica não existiria relacionamentos humanos, nem ordem, já que nada podia ser tudo – se é que existiria algo como nada e/ou tudo. A lógica é o que mantém o mundo tal como é. Por isso, a lógica é necessária. Até mesmo para aceitar o que não é lógico, precisa-se da lógica. De fato, a lógica é uma ferramenta de vida para todos nós. Pode então a lógica ser instrumento para a divulgação e principalmente, na defesa do evangelho?

No escopo apologético Reformado a escola apologética conhecida como Pressuposicionalista, segundo muitos, é a que mais tem legitimidade com os pressupostos Reformados. A apologética Evidencialista e Clássica, não logra muito êxito no bojo reformado, mas parece que não é uma escola totalmente rejeitada. R. C. Sproul é um reconhecido autor reformado que não é pressuposicionalista – aliás, é contra a escola Pressuposicionalista.

Mas no arraial pressuposicional unanimidade também não é vista, infelizmente. Por um lado existe os chamados “clarkianos” – que prescrevem o modelo do teólogo e filósofo Gordon Clark, por outro, os “vantilianos” – que estão com a abordagem substancial de Cornelius Van Til. Uma questão problemática, que dividiu esse ramo apologético, é o uso da lógica. Gostaria de mostrar como ambos mentores apologéticos classificam a lógica de duas maneiras excludentes. Lembrando, sou apenas um leitor interessado nesse assunto. E como tal, tenho percebido que a diferença de ambos é pouca em comparação ao que estão em acordo.  

A lógica para Gordon Clark:

“Por que alguém acharia sacrilégio chamar Cristo de Lógica que chamá-lo de Verbo – uma marca de tinta escrita em um papel ou um som pronunciado no ar? [...] Sem a Lógica  que ilumina todo o homem que vem ao mundo, não poderia haver boas novas. Para que as palavras de Cristo façam sentido, para que sejam informado do plano de salvação de Deus, para escapar da falha absoluta de sentido, a Bíblia tem de ser lógica.”(Em Defesa da Teologia, p. 77,82).

A lógica para Van Til:

“O catolicismo romano [e vários evangélicos] pressupõe que Deus e o homem possuem exatamente o mesmo tipo de relação com a lei da não contradição. Pressupõe que a fim de pensarem e conhecerem verdadeiramente, tanto o homem quanto Deus devem ter seu pensamento conformado a esta lei, como um abstração da natureza de ambos. As consequências desse raciocínio são novamente fatais, tanto para a teologia sistemática quanto para a apologética. Para a teologia sistemática significa que a verdade não consiste, em última instância, na correspondência com a natureza internamente completa em de Deus e com o conhecimento que el tem de si mesmo e toda realidade criada [...] de acordo com essa pressuposição mais básica, o ponto final de referência de toda predicação é o homem, e não Deus [...] O argumento de Satanás [para Eva] é que os fatos e a verdade acerca dessa relação entre um fato temporal e outros podem ser conhecidos pelo homem, sem que seja necessária qualquer informação sobre eles da parte de Deus,seu criador e controlador [...] Portanto, o homem tinha que assumir que os poderes da lógica poderiam legislar quanto ao que é possível na realidade que o cercava.” (Apologética Cristã, p.30,31).
 
Os extremos podem ser perigosos... se levarmos em conta o que está escrito nesses trechos, a situação fica complicada mesmo. No entanto, pode ser que a enfase dada isso pode piorar, mais que o conteúdo desejou.

Na avaliação desse debate cheguei a uma conclusão curiosa: Van Til precisou da lógica para mostrar que é ilógico o uso da lógica para Deus que está acima da lógica! Além disso, todo o sistema da cosmovisão cristã defendida por Van Til está logicamente arquitetado a ponto de nem sequer um tijolo sair daquela construção: “Para defender o teísmo cristão como uma unidade é necessário mostrar que suas partes estão verdadeiramente relacionadas entre si.” (Apologética Cristã, p. 20) . E Gordon Clark precisa deixar a lógica para sustentar que a Escritura é a autoridade final, e não a lógica. Embora ele usa a lógica como sinônimo da verdade divina, sabia muito bem que não poderia chegar logicamente até as últimas consequências de seu pressuposto com a lógica se essa não fosse modelada pela Escritura. Ele mesmo chega a ser bem próximo daquilo que Van Til defendeu, embora para outro contexto (a causa do mal): “As leis que Deus impõe aos homens não se aplicam à natureza divina”.(Deus e o mal, p. 82). As leis da lógica nesse caso não se aplicaria, pelo modelo clarkiano. Por um simples fato – para Clark a lógica é derivada de Deus.

Acho que as duas vertentes são legítimas. Van Til nos ajuda a encarar doutrinas bíblicas com lucidez e submissão de coração e mente [Gordon Clark também faz isso!]. Afinal, algumas doutrinas bíblicas não passam mesmo por nenhum crivo lógico. Acho que a grande predominância em Van Til é a Autoridade acima da razão. Clark nos ensina [Van Til também faz isso!] que pesar logicamente as cosmovisões mundanas pode ser destrutivo a elas, comprovando assim a irracionalidade da vida incrédula. Após isso, pensando logicamente Clark nos leva então à Escritura, encontrando logicamente as respostas para os anseios racionais conforme estão eles revelados na Escritura; já Van Til convida o indivíduo, depois de pego em sua lógica, a abandonar tudo e entrar na rede interligada de doutrinas cristãs dando coesão para a existência humana, por aceitar a existência de Deus.

Penso que de maneira bem simples, sempre precisamos começar com a Escritura e terminar com ela – (ela mostra que o testemunho da criação é um argumento válido para o não crente). A Escritura é o axioma para o cristão. Os Profetas, Jesus e os Apóstolos nunca apelaram para a lógica, mas para a Palavra de Deus, Seus oráculos –lembrando que tais oráculos apontaram o feito do Criador. A Escritura era a resposta a todos. A única maneira legítima de dizer que algum conceito é “lógico” teologicamente, é saber se esse conceito é bíblico. Essa é a lógica divina. Temos apenas um pressuposto autorizado – mas ele está fora de nós e do mundo – O Deus da Escritura ‘pois os judeus pedem sinais, os gregos sabedoria’ – os ateus pedem provas, os humanistas soluções dos problemas – ‘mas nós pregamos a Cristo crucificado, loucura [o que não é lógico!!!] para os gentios.’

O que realmente importa ?

Portanto, nem ao céu nem ao inferno com a lógica – deixemos ela na terra mesmo... pois sabemos que com evidências, ou sem elas, com argumentos lógicos, ou mesmo com entrega à autoridade divina, apenas o Espírito Santo é o Grande Apologeta vitorioso (Jo 16.8-14). Como nos mostra o Catecismo Maior de Westminster na sua pergunta e resposta 2:

 “Donde se conclui que há um Deus? R: A própria luz da natureza no espírito do homem e as obras de Deus claramente manifestam que existe um Deus; porém, só a sua Palavra e o seu Espírito o revelam de um modo suficientemente e eficazmente aos homens, para a sua salvação.” 

Percebo que o mais importante não é vencer ou se armar contra irmãos que estão no fronte de batalha, na evangelização propriamente dita. Se o teu sistema apologético até agora só te levou a debater com irmãos, e nunca na evangelização dos perdidos, possuindo em sua lista apenas debates vencidos com irmãos, mas nenhuma conversão, provavelmente existe algo errado com a sua maneira de ver a defesa da sua fé.

Com plena consciência bíblica das verdades centrais da fé cristã, todas as escolas apologéticas – inclusive as que não são pressuposicionalistas reformadas -  devem servir a causa de toda apologética:

Porque as armas da nossa milícia não são carnais, mas sim poderosas em Deus para destruição das fortalezas; Destruindo os conselhos, e toda a altivez que se levanta contra o conhecimento de Deus, e levando cativo todo o entendimento à obediência de Cristo; E estando prontos para vingar toda a desobediência, quando for cumprida a vossa obediência.” 2 Coríntios 10.4-6.

Sim, a apologética é evangelização. Quanto mais dirimirmos as tensões periféricas, mais aproveitaremos a seiva de todos os sistemas apologéticos disponíveis, para glória de Deus, ao alcançar os perdidos a se curvarem diante do Cristo que é Maravilhosamente Deus e Homem.


Um comentário:

  1. Interessantíssimo o assunto.

    Ressalvo, contudo, que a lógica, embora muito importante, trata-se de um mero instrumento de inferição a respeito da coerência havida entre premissa e conclusão; de modo que em si mesmo (o Òrganon – instrumento, conforme Aristóteles) não diz necessariamente com aquilo que é verdadeiro!

    Isso precisa ser bem entendido.

    Explico:

    Não raro, pessoas tem em preceitos lógicos verdades absolutas, confundindo o instrumento com o conteúdo dialético a que se funda a lógica ou a analítica. Só que, repito, a lógica, de per se, não é sinônimo da realidade mesma.

    Por exemplo:

    Se eu afirmar,

    1. O animal ‘gato’ (gênero) é transparente, logo, portanto, todos os seus espécimes hão de ser transparentes.

    O enunciado é lógico, completamente lógico, porque a premissa lançada é coerente com a sua conclusão: gato transparente = gatos transparentes.

    Mas eu indago: alguém já viu algum gato transparente?
    Nesse singelo exemplo percebe-se que embora lógico, o enunciado nada diz com a realidade, com aquilo que é verdadeiro.

    2. Todos os animais de estimação são animais domésticos, logo o meu gato não é doméstico.

    O enunciado acima não é logico porque a conclusão não traz coerência com a premissa lançada, embora verdadeiro que ‘todos os animais de estimação sejam domésticos’.
    Nos dois exemplos citados, há flagrante confusão da ‘ratio arguendi’ com a ‘ratio essendi’.

    3. Sócrates é homem, logo todo homem é Sócrates.
    Aqui há confusão e inversão nas próprias premissas lançadas, mormente pela omissão ou supressão daquilo que é auto-evidente.

    O tema ‘Lógica’ é muito mais abrangente e profundo, envolvendo temas tais como dedução e indução; verdade e validade; as funções da linguagem; tipos de acordo e desacordo; o discurso emotivamente neutro; falácias não-formais; definição; proposições categóricas; símbolos; analogia e interferência do provável; conexões causais; etc., etc. etc.

    Conclusão: para o apologista é importante atentar-se que muitas heresias advêm da supressão daquilo que é auto-evidente e que o enunciado lógico pode partir de qualquer premissa e não de premissas auto-evidentes, o que se verifica que o enunciado não é auto-evidente, mas apenas logicamente consistente! Assim, logicamente consistente não quer dizer verdade consistente...

    Por exemplo: verificamos a lógica consistente desvencilhada da verdade consistente na guarda do sábado como condição para a salvação, bem como na doutrina da predestinação calvinista.

    Em Cristo,

    Agostinho Antialienação.

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