segunda-feira, 23 de maio de 2011

Debate com Espírita - Parte 2

As falas em negrito correspondem às falas do adversário do orador. Assim, nas minhas falas (Lucio), negrito corresponderão às falas do Espírita; enquanto que nas falas dele, o negrito corresponderá às minhas falas que foram selecionadas.

LUCIO

“A diferença é que Jesus já estava muito mais evoluído e, conforme sua fonte Espírita diz, seria um Espírito puro(está mais além de um Espírito superior, é o ponto máximo da perfeição)”

Conforme tal postulado, gostaria de te fazer a seguinte pergunta: nós, então, poderemos atingir o mesmo status e/ou perfeição ontológica de Jesus? Tal afirmação nos leva a entender que sim... me corrija se eu estiver errado.

“Jesus estaria já totalmente purificado, o que significa que sua natureza é totalmente divina, sem as impurezas da matéria que nós ainda temos a obstruir a centelha divina em nós”

Bom, aqui vc deixa bem explícito a viés gnóstica presente no espiritismo. Como estamos discutindo a ‘biblicidade’ do Espiritismo, não discutirei as implicações filosóficas de tal posição. Só quero confrontar tal visão com alguns pensamentos (e creio que isso abrirá mais um leque em nosso debate, mas será proveitoso):

Tal visão de que a matéria é intrinsicamente má (o que me pareceu estar implícito na sua proposição) não contraria a visão Bíblica de que o mundo físico também é bom? Veja Gêneses 1:1 ‘ No princípio, criou Deus os céus e a terra’; v. 31 ‘Viu Deus tudo quanto fizera, e eis que era muito bom...’.

Outra questão que me vem à mente é se você está dizendo que ele possui uma matéria pura em seu ser, ou se ele é agora imaterial (pelo fato de a matéria conotar impureza... etc.). Se for o segundo caso, você seria novamente confrontado com a Bíblia que afirma que a ressurreição de Jesus é literal, que ele ainda tem um corpo (João 20, especialmente o versículo 27).

Junto à questão anterior, tenho que me questionar sobre quando foi que Jesus adotou uma matéria pura, visto que na encarnação ele tinha um corpo como o nosso (1 João 4.2-4 é um texto bem explícito nesse sentido. Vou me ater a este texto para que o debate não abra muito; porém, se for preciso, entraremos mais afundo nessa questão).

Mas você continua:

“é totalmente divina, sem as impurezas da matéria que nós ainda temos a obstruir a centelha divina em nós.”

Isso quer dizer que posteriormente nós obteremos uma natureza totalmente divina?

Além disso, você não acaba assumindo um certo politeísmo quando diz que ele é um ser diferente de Deus, mas também é Deus (=natureza totalmente divina)?

Antes de partir para a análise dos textos, precisamos discutir um pouco de hermenêutica.

Veja sua declaração:

“interpretação literal não é de forma alguma premissa básica da compreensão de textos, concorda?”


Não, não concordo. Aliás, não concordo porque interpretei literalmente que você estava me perguntando isso...

Afirmar interpretação literal não é o mesmo que negar a existência de metáforas e analogias, de comparações e de linguagem poética.

Feitas essas ressalvas, entendo que a ‘interpretação literal’ é bem viável, e lógica. Aliás, a fim de evitar confusões, gostaria que você definisse o que você entende por ‘interpretação literal’.

“Talvez digas que a visão Espírita a respeito da Bíblia não conta. Mas eu diria que é uma questão de interpretações, pois o que garante que a interpretação Católica seja a verdadeira, ao invés da Espírita?”

Bom, primeiro eu gostaria de lhe (re) informar que eu NÃO sou católico... acho que você confundiu as informações... heheh

Agora, certamente eu afirmo que a interpretação espírita não conta. Por quê? Antes de prestar meus esclarecimentos, quero lhe questionar se não é um desconstrucionista. Se for, nosso debate deve ir nessa direção antes de discutir qualquer texto. Presumindo que você não seja, proponho-me a citar alguns princípios hermenêuticos para postular como garantir que uma interpretação é verdadeira e outra não.

Primeiro, a melhor interpretação é a que faz a melhor análise sintática e morfológica. Se sua interpretação ignora esses princípios você negará qualquer possibilidade de comunicação significativa (e eu mostro como!).

Depois, a melhor interpretação respeita o quesito histórico. Ou seja, ela considera o contexto em que o texto surge, o que faz muita diferença na hora de entender a conotação de uma palavra (visto que estas podem incorrer em oscilações semânticas), o que exige conhecimento filológico. Informações sobre o autor e seu contexto cultural, e até mesmo psicológico tornam a interpretação mais precisa ainda. Daí a necessidade de um bom conhecimento da alta-crítica.

Agora, por fim (e de grande importância para nosso debate), há o quesito teórico também. A teologia bíblica (que trabalhará com o apanhar de informações seguindo os dois primeiros passos) nos concederá apenas um emaranhado de fatos. Desta vez, permita-me citar minha recém obtida obra do magnífico teólogo Charles Hodge: “Se pois, a teologia é uma ciência, então ela deve incluir algo mais do que o mero conhecimento de fatos. Deve abranger uma exibição da relação interna desses fatos, um com o outro, e cada um com o todo. Deve ser capaz de demonstrar que, se um for admitido, os outros não podem ser negados” (Teologia Sistemática, p. 1).O que Hodge está fazendo é antecipar grandes filósofos da ciência como Polany e Kuhn, que observam que os fatos em si não dizem nada, mas a interpretação é que diz. Assim, a melhor teoria é a que melhor explica os fatos, que abrange mais fatos (se não todos), além de não ser contraditória.

Dado este passo, quero mostrar que sua interpretação não só não abarca todos os fatos bíblicos, como desrespeita o texto, burlando uma das duas primeiras regras que mencionei.

Vale ressaltar a falácia dessa interpretação de Felipenses 2:5ss:

“Esta parte mostra como somos essencialmente iguais a Jesus, pois nos é possível chegar a ter os mesmos sentimentos que ele teve, bastando-nos chegar a perfeição espiritual como ele chegou.”
[abaixo, a falácia do espírita em forma silógica (em 3 passos)]
1)Se temos os mesmos sentimentos que Jesus, somos absolutamente iguais a ele.

2)Temos os mesmos sentimentos de Jesus.

3)Logo somos iguais a ele.

Ter algo em comum não é o mesmo que ter tudo em comum. Se não fosse assim, também somos absolutamente iguais a Deus: Veja Levítico 11:44.

Além disso, você mesmo concorda com isso ao afirmar que em nós há uma ‘centelha divina’, e não necessariamente toda a divindade. O que me leva a demonstrar outro erro que você cometeu:

Você ignorou a seguinte proposição bíblica para impor seus pressupostos sobre o texto:

“... sendo em forma de Deus... Filipenses 2:6. Essa é a parte relevante que você omitiu. Ao invés disso você diz “tomando a forma de servo(embora fosse o mais superior dos Espíritos)”, presumindo que a forma anterior fosse de Espírito Superior, mas o texto afirma categoricamente que sua forma era de Deus! Veja o que um ‘amigo’ conhecedor do texto grego nos informa sobre essa questão:

“Note-se que nesta passagem há três idéias gradativas: "essência" (gr. hyparchon, lat. essentia); "forma" (gr. morphe, lat. forma); "figura" (gr. schema, lat. figura). Essência, existência ou ser são fundamentais e devem existir em alguma forma, que, uma vez adotada, permanece sempre a mesma. Cada ser tem sua própria forma. Forma é a expressão permanente da existência. Assim temos a forma de Deus, a forma de um anjo, a forma de homem, a forma dos animais; todas essas formas são qualidades inalienáveis ao ser ou existência. A figura, no entanto, é transitória. Em outras palavras: a figura ou aspecto podem mudar, mas forma permanece. Desse modo a aparência deste mundo (schema) passa, não porém sua forma (morphe), (#1Co 7.31). Satanás pode transfigurar-se num anjo de luz, mas não pode transformar-se em tal (cfr. #2Co 11.14). Assim nosso Senhor existiu primeiramente na forma de Deus, uma forte afirmação de Sua deidade essencial e na encarnação e aniquilamento de Si mesmo Ele adotou a forma de servo, o que resultou em se tornar homem, tornando-se seu Ser na semelhança de homem.” (p. 2130, org. F. Daivdson, O NOVO COMENTÁRIO DA BÍBLIA, editora Vida Nova).

Por fim, para complementar, quero dizer que dizer que Jesus é apenas um Espírito Puríssimo é ignorar informações (fatos) explícitos das Escrituras.

Vale ressaltar que sua interpretação de Colossenses 2:9 parece ignorar o fato de que ‘plenitude’ é ‘plêroma’ no grego, que dá a idéia de algo exato.

Mas não é isso que quero salientar. Quero salientar que Jesus já era plenamente perfeito antes da criação, antes que ele pudesse evoluir ou progredir de qualquer forma (Veja o prefácio Joanino e verás que o ‘Verbo era Deus’ antes mesmo da criação). Para complicar um pouco mais a sua situação, a Escritura lhe confere características presentes somente em Deus (fato que já citei, e você ignorou).

“ Todos os atributos divinos são predicados dele: Eternidade, Jo 8.58, 17.5; [...] imutabilidade, Hb [...] 13:8...” (destaquei os que achei mais evidentes, ou os que consigo fazer exegese dos textos base).”

Ficarei por aqui para que o texto não se torne excessivamente grande. O que afirmo com minha fala é que a Bíblia afirma plena divindade em Cristo, a Bíblia fala que ele era Deus, e preciso que você lide com esta questão primeiro, antes de explicar os textos que ele supostamente está negando sua divindade.

Espero não ter ficado muito maçante. Se você perceber, o final tive que me deter de estender a argumentação para não criar um texto excessivamente enorme. O debate tem tudo para ficar ótimo. Deus o abençoe meu caro!

RESPOSTA DO ESPÍRITA

"e preciso que você lide com esta questão primeiro, antes de explicar os textos que ele supostamente está negando sua divindade."


Uma doutrina, para poder se dizer cristã, deve seguir a doutrina que o Cristo nos trouxe. Uma doutrina que crê que tudo na Bíblia é correto, exceto as palavras do próprio Cristo, como pode se dizer cristã? Pode ser uma doutrina semi-bíblica(semi pelo fato de que a autoridade máxima na Bíblia é o próprio Jesus), mas não cristã.

De nada adianta mil e um profetas e sábios terem afirmado mil e uma vezes cada um determinada coisa e Jesus ter dito o contrário, pois, para uma doutrina ser cristã, precisa crer acima de tudo na palavra do Cristo.

Eu te digo, em contrapartida à sua frase, que eu preciso que você lide com esta questão primeiro, já que te afirmas cristão. Ou então não és cristão e estaríamos debatendo à toa.

Eu vou responder outras questões que você citou com relação ao que eu falei, pois vejo que compreendesse diferente do que eu quis dizer, porém quanto à divindade de Jesus aguardo suas ideias a respeito da passagem bíblica que te mandei.

"Conforme tal postulado, gostaria de te fazer a seguinte pergunta: nós, então, poderemos atingir o mesmo status e/ou perfeição ontológica de Jesus? Tal afirmação nos leva a entender que sim... me corrija se eu estiver errado."

Está correto.

"Tal visão de que a matéria é intrinsicamente má (o que me pareceu estar implícito na sua proposição) não contraria a visão Bíblica de que o mundo físico também é bom?"

Quando dizemos, no Espiritismo, que um Espírito está totalmente desmaterializado, queremos dizer que ele não tem mais nenhum apego à matéria e aos vícios e defeitos decorrentes deste apego. Portanto, é o apego que é ruim, não a matéria.

"Outra questão que me vem à mente é se você está dizendo que ele possui uma matéria pura em seu ser, ou se ele é agora imaterial (pelo fato de a matéria conotar impureza... etc.). Se for o segundo caso, você seria novamente confrontado com a Bíblia que afirma que a ressurreição de Jesus é literal, que ele ainda tem um corpo (João 20, especialmente o versículo 27)."

Quando encarnado possuía matéria, em seu corpo, igual à nossa. Seu Espírito é que não era apegado à matéria e aos vícios e defeitos decorrentes de tal apego.

Não vejo nada que denote que Jesus tenha ressucitado, no sentido que a ICAR dá à essa palavra, em João 20. Se puder esclarecer, agradeço. Lembre-se que existem as materializações de Espíritos, que se dão por um processo mediúnico.

"Além disso, você não acaba assumindo um certo politeísmo quando diz que ele é um ser diferente de Deus, mas também é Deus (=natureza totalmente divina)?"

Não. Quero dizer com isso que ele tem a se manifestar apenas a natureza divina nele, ou seja, natureza de perfeição moral vinda da centelha divina, não mais obscurecida pelo apego à matéria.

A centelha divina é como um reflexo de Deus. Imagine um espelho a refletir o Sol. Ele pode estar sujo e não refletir bem, ou pode estar limpo e refletir com exatidão o que o Sol é. O Espírito puro é o espelho totalmente limpo, porém ele é como um reflexo de Deus, como se fosse Deus, mas sem ser de fato, pois se não houvesse o Sol, o espelho não poderia refletir a imagem dele.

"Não, não concordo. Aliás, não concordo porque interpretei literalmente que você estava me perguntando isso...


Afirmar interpretação literal não é o mesmo que negar a existência de metáforas e analogias, de comparações e de linguagem poética.


Feitas essas ressalvas, entendo que a ‘interpretação literal’ é bem viável, e lógica. Aliás, a fim de evitar confusões, gostaria que você definisse o que você entende por ‘interpretação literal’."

Interpretação literal de textos é uma possibilidade, não uma obrigação. Vai depender do contexto para saber se devemos interpretar literalmente ou não. Foi isso que eu disse.

"Bom, primeiro eu gostaria de lhe (re) informar que eu NÃO sou católico... acho que você confundiu as informações... heheh"

Na verdade eu não confundi, apenas presumi a partir do que você disse, já que você fez doce e não quis dizer qual a sua religião. És o que, então, Evangélico? Portestante? Testemunha de Jeová? Se você não disser, eu tenho que presumir.

"Depois, a melhor interpretação respeita o quesito histórico. Ou seja, ela considera o contexto em que o texto surge, o que faz muita diferença na hora de entender a conotação de uma palavra (visto que estas podem incorrer em oscilações semânticas), o que exige conhecimento filológico. Informações sobre o autor e seu contexto cultural, e até mesmo psicológico tornam a interpretação mais precisa ainda."

Concordo plenamente, por isso mesmo é que a interpretação literal não é sempre a melhor, pois os termos de hoje e daqui certamente não tem todos o mesmo significado que os daquela época.

" Assim, a melhor teoria é a que melhor explica os fatos, que abrange mais fatos (se não todos), além de não ser contraditória."

Maravilha! Concordo totalmente.

"Dado este passo, quero mostrar que sua interpretação não só não abarca todos os fatos bíblicos, como desrespeita o texto, burlando uma das duas primeiras regras que mencionei."

Tudo bem, aguardo que você o faça(posteriormente, pois quero introduzir meu tema tb) e eu contra-argumentarei.

"Se temos os mesmos sentimentos que Jesus, somos absolutamente iguais a ele."

Note que você interpretou erroneamente minha frase. Eu disse "é possível", e não que JÁ temos os mesmos sentimentos que Jesus. Isso também já responde o que dessa interpretação errônea decorre.

O que vem depois são questionamentos que não cabem enquanto você não me responder a respeito da citação das palavras de Jesus que eu te fiz.

Gostaria de dizer que não ignorei nada do seu texto, apenas não citei todas as partes, pois as que não citei foram superadas com as respostas dadas às que citei, bastando que leves em consideração a essência da minha resposta. No entanto, gostaria de fazer uma sugestão para que não fiquemos nos estendendo com questões periféricas e que não ajudam a solucionar a essência da questão central, até porque quero introduzir o meu tema, algum dia, né? :).

A questão central aqui é a divindade de Jesus. Eu citei uma passagem bíblica em que Jesus deixa claro que ele não é Deus e eu gostaria que você buscasse, de forma direta e objetiva, tentar contrapor(com argumentos lógicos) a minha interpretação a respeito desta passagem com o intuito de mostrar que a sua interpretação se encaixa melhor nela que a minha.

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continua... Parte 3

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