Por Rev. Augustus Nicodemus Lopes
A chave para entendermos Romanos 9 é a intenção de Paulo, o que ele quer mostrar? A resposta está nos versículos iniciais, 1-5. Ele está triste porque Israel rejeitou Jesus Cristo. Este fato poderia levantar a questão de que a promessa de Deus havia falhado (verso 6). Paulo evita este problema explicando que a promessa foi feita aos descendentes espirituais de Abraão e não aos seus descendentes físicos. Nem todos de Israel são filhos de Deus (verso 6-7). E estes indivíduos, os descendentes espirituais, a quem as promessas foram feitas, e que serão salvos, foram chamados soberanamente por Deus de entre a nação de Israel. Paulo prova isto mostrando a escolha soberana de Isaque e de Jacó. Eles foram escolhidos enquanto indivíduos, embora, certamente, esta escolha venha a ter algum reflexo em seus descendentes (versos 8-13). O ponto de Paulo é que somente os escolhidos de entre a nação de Israel é que creram (e crerão) em Cristo. São indivíduos escolhidos de entre uma nação, para a salvação. Desta forma, Paulo mostra que as promessas de Deus a Israel não falharam, pois dentre a nação Deus sempre escolheu soberanamente, e não por obras, aqueles israelitas individuais que viriam a crer em Jesus Cristo, como o próprio Paulo.
Em resumo, seguem algumas razões pelas quais o argumento central de Romanos 9 é eleição para a salvação e vida eterna, e que na elaboração da argumentação, Paulo menciona Jacó e Esaú como indivíduos e não como nações, embora os descendentes deles viriam a sofrer os reflexos desta escolha individual.
(1) Toda a seção (Romanos 9-11) é sobre a segurança eterna de pessoas. Eleição de nações não faria qualquer sentido contextual. Paulo disse aos cristãos de Roma que nada poderia separá-los do amor de Deus (Rm 8:31-39). A objeção que provocou a resposta de Paulo em romanos 9-11 foi esta: “Como podemos ter certeza de que as promessas de Deus são seguras, visto que Israel, a quem também promessas foram feitas, não creu no Messias?” A resposta de Paulo é que apenas os indivíduos eleitos dentro de Israel é que estão seguros.
(2) A eleição de Jacó sobre Esaú (Romanos 9:10-13) pode ter implicações nacionais, mas começa com dois indivíduos. Não podemos esquecer este fato.
(3) Jacó foi eleito e Esaú rejeitado antes que tivessem feito algo de bom ou ruim. O texto está falando de indivíduos que podem fazer o bem e o mal. Não fala de nações que sairiam deles e que fariam bem ou mal. O bem e o mal referido é de pessoas, indivíduos, chamados Jacó e Esaú.
(4) Rom. 9:15 enfatiza a soberania de Deus na escolha de indivíduos. "Terei misericórdia de quem eu tiver misericórdia." O pronome “quem” é um singular masculino. Se Paulo estivesse falando de nações, poderia ter usado um pronome plural.
(5) Rom 9:16 está claramente lidando com pessoas: “Assim, pois, não depende de quem quer ou de quem corre”. “Quem quer” θέλοντος e “quem corre” τρέχοντος são dois singulares masculinos. É difícil ver implicações nacionais em tudo aqui. É sobre o desejo e esforço individual.
(6) Rom 9:18 fala do endurecimento de Faraó, um indivíduo. Não está tratando do endurecimento do Egito, mas da pessoa de seu rei, Faraó. Após falar do endurecimento, Paulo resume o que ele está tentando dizer usando pronomes singulares masculinos: “Logo, tem ele misericórdia de quem quer e também endurece a quem lhe apraz”. Se Paulo estava falando de eleição e endurecimento de nações, ao terminar o exemplo pessoal e individual de Faraó ele deveria ter dito que ele endurece e tem misericórdia das nações que quer.
(7) A objeção em Rom. 9:14, “Que diremos, pois? Há injustiça da parte de Deus?” - faz pouco sentido se Paulo estivesse falando sobre a eleição corporativa ou nacional. A acusação de injustiça poderia facilmente ser respondida se Paulo estivesse dizendo que a eleição de Deus é apenas em relação às nações e não tem a intenção salvadora.
(8) Da mesma forma, a objeção em Rom. 9:19 fica totalmente sem sentido se Paulo não estiver falando de eleição individual. “Algum de vocês vai me dizer: “Se é assim, como é que Deus pode encontrar culpa nas pessoas? Quem pode ir contra a vontade de Deus?” (NTLH). A questão que o opositor de Paulo está levantando é que Deus parece injusto com indivíduos, ao endurecer alguns e ter misericórdias de outro como lhe apraz, e não com nações.
(9) Em Rom 9:14-29 temos uma “diatribe”, um recurso de retórica em que o escritor responde os questionamentos de um opositor imaginário. Os questionamentos estão em Rm 9:14 e Rom 9:19. É um artifício muito bom, mas somente se o autor está entendendo corretamente o opositor. Todos os dois questionamentos do opositor (9:14 e 9:19) tem a ver com a injustiça de escolher uns e deixar outros. Paulo poderia ter corrigido este equívoco e dito, “não estou falando de pessoas, mas de nações”. Contudo, ele aceita como legítima a objeção e responde em termos da eleição de indivíduos.
(10) Em Rom 9:24 Paulo diz que Deus chamou os “vasos de misericórdia”, que Ele preparou para glória “de antemão” (são os eleitos mencionados no capítulo todo) “não só dentre os judeus, mas também dentre os gentios”. É difícil ver eleição nacional aqui, pois Deus chamou estas pessoas "dentre" todas as nações, ἐξ Ἰουδαίων (de entre os judeus) e também ἐξ ἐθνῶν (de entre os gentios). Os vasos de misericórdia, que são a descendência espiritual de Abraão, em quem se cumprem as promessas, são chamados por Deus de entre na nação de Israel e de entre as nações gentílicas.
(11) Em Romanos 11:1-10, quando Paulo volta a falar da eleição de israelitas individuais de entre Israel étnico, fica claro que os eleitos são pessoas de entre a nação de Israel, os sete mil que não dobraram o joelho a Baal (Rm 11.4), aos quais Paulo se refere como “a eleição da graça” (Rm 11.5). Isso nos diz duas coisas: 1) eles são sete mil indivíduos que Deus tem mantido crentes dentro da nação de Israel, e não uma nova nação. 2) Esses indivíduos são mantidos por Deus na fé no Deus verdadeiro, não se curvando diante de Baal (ou seja, eles permaneceram fiéis a Deus). Ou seja, a eleição mencionada por Paulo é de indivíduos para a salvação.
Para você não pensar que estes argumentos são meus, consulte estes comentaristas que seguem esta mesma linha de raciocínio:
Jamieson, Robert, A. R. Fausset, and David Brown. Commentary Critical and Explanatory on the Whole Bible. Oak Harbor, WA: Logos Research Systems, Inc., 1997.
Lange, John Peter, Philip Schaff, F. R. Fay, J. F. Hurst, and M. B. Riddle. A Commentary on the Holy Scriptures: Romans. Bellingham, WA: Logos Bible Software, 2008.
Boa, Kenneth, and William Kruidenier. Romans. Vol. 6. Holman New Testament Commentary. Nashville, TN: Broadman & Holman Publishers, 2000.
Henry, Matthew. Matthew Henry’s Commentary on the Whole Bible: Complete and Unabridged in One Volume. Peabody: Hendrickson, 1994.
Carson, D. A., R. T. France, J. A. Motyer, and G. J. Wenham, eds. New Bible Commentary: 21st Century Edition. 4th ed. Leicester, England; Downers Grove, IL: Inter-Varsity Press, 1994.
Spence-Jones, H. D. M., ed. The Pulpit Commentary: Romans. The Pulpit Commentary. London; New York: Funk & Wagnalls Company, 1909.
Wuest, Kenneth S. Wuest’s Word Studies from the Greek New Testament: For the English Reader. Grand Rapids: Eerdmans, 1997.
Fonte: http://bereianos.blogspot.com.br/2014/01/comentario-sobre-romanos-9-eleicao-e-de.html
Algumas passagens bíblicas, como esse nono capítulo da epístola aos Romanos, parecem ensinar que Deus predestinou os homens para um curso que não conduz a ele, no caso dos que estão reservados para a perdição; e isso significa que o mal é o curso determinado para essa gente. De alguma maneira a vontade divina age conjuntamente com a vontade humana, produzindo esse curso, o que depreendemos mediante o confronto de certas passagens bíblicas. Devemos ter cuidado aqui para não cair no exagero do hipercalvinismo. O N.T., como um total, é certamente contra esta posição, a despeito de alguns versículos que parecem ensiná-la.
ResponderExcluirOra, essa dupla atuação também se verifica no caso da salvação pessoal. A vontade humana se utiliza do livre-arbítrio humano sem destruí-lo, ainda que não saibamos explicar como isso pode suceder. Isso é um paradoxo, isto é, um ensinamento que aparentemente se contradiz. Não temos resposta para tal paradoxo, como também não descobrimos solução para como Jesus Cristo pode ser, ao mesmo tempo, divino e humano, ou para como Deus pode ser um e três, ao mesmo tempo. Todo paradoxo aparentemente se contradiz; porém, suas partes componentes são apenas outros tantos aspectos da mesma verdade. Porém, como é que isso pode ser, não sabemos dizê-lo.