domingo, 17 de outubro de 2010

A crença ateísta - Parte 3


ARGUMENTO COSMOLÓGICO KALAM
William Lane Craig é provavelmente o maior defensor desse argumento nos dias de hoje (se não de todos os tempos!). Apresentaremos o argumento baseado, praticamente, no seu livro ‘A veracidade da fé cristã’, e em algumas reflexões pessoais.
O silogismo que expressa o argumento é:
1)Tudo o que começa a existir tem uma causa.
2)O universo começou a existir.
3)Logo, o universo tem uma causa.

Tudo o que começa a existir tem uma causa

Essa proposição parece ser tão lógica que ninguém duvidaria dela. Todavia, surpreendentemente há quem o faça. Normalmente, os levanta objeções à premissa se esmeram em Hume e sua crítica à causalidade. A crítica é a seguinte:

Presumo uma relação causal por causa das relações contíguas desses objetos, da prioridade temporal de uma ação em relação à outra e da conjunção constante dessas ações que eu conheço pela repetição. Mas como posso ter certeza de que, ao fazer essa suposição, não estou violando a clássica falácia informal da lógica chamada post hoc, ergo propter hoc (‘depois de, por causa de’)? Será que, se todos os galos e perus fossem extintos, o sol deixaria de nascer? (SPROUL, 2002, p.110).

Sproul observa que Hume não refuta a causalidade:

O fato de que a causa errada pode ser atribuída a um efeito, porém, não significa que todas as causas são ‘erradas’. Hume não prova que nada causa a grama ficar molhada ou a bola de bilhar a se mover. De fato, ele nem poderia provar uma coisa dessas. A lei da causalidade é uma mera projeção abstrata da lei da não - contradição (que algo não pode ser o que é e não se o que é ao mesmo tempo e na mesma relação). Para refutar a lei da causalidade é preciso refutar a lei da não contradição. Entretanto, como Agostinho demonstrou, para refutar a lei da não-contradição racionalmente, é preciso presumir que a lei da não-contradição é válida. Lembramos que a lei da causalidade simplesmente declara que todo efeito precisa ter uma causa antecedente. Essa lei é analiticamente verdadeira e irrefutável _ ela é verdadeira por definição. Um efeito é, por definição, algo que é causado, assim como uma causa é, por definição, algo que produz um efeito. Naturalmente isso em si não prova que existe o que se chama causalidade. Por exemplo, se vivêssemos em um mundo em que não houvesse efeitos, também não haveria causas. Ou, se vivêssemos em um mundo em que não houvesse causas, não haveria efeitos. Mas se vivemos em um mundo em que há efeitos, então também precisa haver causas. (SPROUL, 2002, p.110-111).

Observado que a causalidade não é (não pode!) ser refutada por Hume (nem por ninguém) vamos refutá-lo. O agnosticismo quanto à causa só é válido quando há mais de uma causa para se considerar. No caso desse argumento, temos apenas um efeito e, como mostraremos uma única possibilidade de causa, portanto a falácia post hoc, ergo propter hoc não pode ocorrer.
Craig também aponta e refuta as objeções do célebre filósofo australiano J.L. Mackie. Mackie questiona que, se é possível aceitar a criação ex nihilo, por que não aceitar a origem do universo por algo não determinado? Em outras palavras, ele diz que a criação por um ser do nada é tão misteriosa quanto a auto-criação. Interessante. Antes de refutar essa idéia, observemos que Mackie admite que a criação do nada é misteriosa, portanto, ele a aceita pela ‘fé’...Enfim, respondemos à Mackie da seguinte maneira: enquanto que a criação por um ser auto-existente e eterno nos é misteriosa, não é nada ilógica. Ela foge da nossa experiência, é algo que não podemos reproduzir, portanto, não podemos ‘verificar’ na ‘metodologia científica’. Porém, ao contrário da criação a partir do nada, ela não é uma opção ilógica. Se Deus existe, ele pode fazer coisas que não fazemos, e a criação do nada é uma delas. Alem disso, como veremos adiante, é a única posição plausível.
Mackie ainda lança outras objeções, muito bem rebatidas por Craig como: “Se Deus começou a existir em determinado momento, isso é um grande problema para o começo do universo” (CRAIG, 2004, p.90). Craig rebate dizendo que o argumento não diz ‘Deus teve um início’. Nenhum defensor do argumento cosmológico kalam diria isso. Ou “... se Deus existe desde tempos infinitos, os mesmos argumentos aplicados à sua existência também se aplicariam à duração infinita do universo” (CRAIG, 2004, p.90). Novamente Craig aponta que “Certamente quem propõe o argumento kalam não defenderia [...] que Deus existiu por um número infinito de, digamos, horas ou qualquer outra unidade de tempo” (CRAIG, 2004, p. 91).
O apostata Dan Baker também tenta refutar o argumento cosmológico kalam. Shandon L. Guthrie e outros mais produziram ótimas refutações ao famoso artigo Kalamidade Cosmológica, de Baker. (cf.: < http://sguthrie.net/barker_response.htm >). No livro de Craig, ele lida com as críticas (muito mais pesadas) de Adolf Grünbaum, e as refuta muito bem. Expô-las aqui não nos parece ser viável, devido ao tamanho (confira as objeções e refutações nas páginas 115-117 do livro do Craig, supracitado). Além disso, Baker argumenta muito semelhante a ele. A título de exemplificação, pensamos em uma refutação à Baker, e a exporemos aqui: Baker diz:

A curiosa cláusula ‘tudo o que começa a existir’ implica que a realidade pode ser dividida em dois grupos: itens que começa a existir (CE), e aqueles que não começam (NCE). Para esse raciocínio cosmológico funcionar, NCE (se tal grupo for significante) não pode ser vazio mas o mais importante é acomodar mais de um item para ele não seja simplesmente o sinônimo para Deus. Se Deus é o único objeto permitido em NCE, então CE é meramente uma máscara para o Criador e a premissa ‘tudo que começa a existir tem uma causa’ é equivalente a ‘ tudo, exceto Deus, tem uma causa’ (BAKER, < http://str.com.br/Atheos/kalam.htm > acesso em 17 de set, 2010).

Essa é uma fútil tentativa de negar a primeira premissa. A questão é se negarmos a primeira premissa teremos somente duas alternativas:
1ª Tudo começa a existir (e tudo tem uma causa).
2ª Tudo começa a existir (e pode haver auto-criação).
A primeira premissa faz com que se caia no erro de presumir um universo eterno. Como? Bom, se tudo tem um começo e este começo é causado por algo, caímos em causas precedentes ad infinitum. Mas na segunda premissa, será refutada essa possibilidade com os dois argumentos filosóficos de que não pode haver um infinito real (ilustrado pelo Hotel de Hilbert) e de que não se pode formar um conjunto com elementos infinitos (ilustrado pelo ‘contador da eternidade’). Assim, a primeira alternativa está cancelada. Quanto à segunda premissa, ela é impossível, pois fere as leis da lógica. Sproul se expressa assim: “Para que algo se crie, ou para ser seu próprio efeito assim como sua própria causa, deve existir antes de existir. Colocando nos termos da não-contradição, o universo teria que existir e não existir ao mesmo tempo e no mesmo sentido...” (SPROUL, 2007, p.96). Para que algo se crie ele deve existir e não existir ao mesmo tempo. Ou seja, deve ser A e não ser A ao mesmo tempo. Argumentar que algo vem do nada é de uma ‘incoerência sistemática’ absoluta! “Como acontece com as primeiras tentativas fracassadas, isso põe Deus dentro da definição da premissa do raciocínio, o qual é suposto para provar a existência de Deus, e nós estamos de volta ao início da questão” (BAKER, < http://str.com.br/Atheos/kalam.htm >).
Outro colossal erro de Baker é o de presumir que o argumento tem o intuito primordial de provar a existência de Deus. É por isso que ele pensa que o argumento é uma falácia. Isso mesmo, o argumento não faz isso, pelo menos não diretamente. O que se prova no argumento é que o universo (a natureza) tem uma causa. Mostrar que essa causa é Deus é outro argumento (que veremos adiante)! Dada a veracidade lógica e factual das premissas, a questão seria se há algum candidato que preencha os pré-requisitos para entrar no grupo do NCE (na verdade, dada a veracidade do raciocínio, precisamos de tal candidato, ele é ontologicamente necessário), e como só temos Deus...
(Veremos como se infere Deus na análise da terceira proposição do argumento, a proposição: ‘Logo, o universo tem uma causa’. Mas isso na próxima vez.).

Um comentário:

  1. Craig comenta brevemente a pseudo-refutação de Baker:
    http://www.youtube.com/watch?v=blBvTYvZHss&feature=related

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